Oposição liga saída do secretário de Estado da Energia a cedência aos grupos económicos
Ao fim de quase nove meses em funções, o Governo abre uma primeira brecha nas suas fileiras com a saída de Henrique Gomes da Secretaria de Estado da Energia, uma demissão que é oficialmente atribuída a “motivos pessoais e familiares”. Artur Trindade é o nome escolhido para substituir um governante que se propusera reduzir os “lucros excessivos” das produtoras de eletricidade. Para os partidos da Oposição, é por causa desta intenção que o Ministério da Economia sofre agora uma baixa política. O Executivo, acusam, mostra incapacidade para afrontar os “grandes grupos económicos”.
É no Ministério de Álvaro Santos Pereira, epicentro de uma acesa controvérsia em torno da orgânica e da distribuição de competências no XIX Governo Constitucional, que acontece a primeira demissão no elenco constituído por social-democratas e democratas-cristãos. Henrique Gomes, antigo administrador da REN e da Gás de Portugal, deixa a Secretaria de Estado da Energia a invocar “motivos pessoais e familiares”. E a enaltecer o desempenho do titular da pasta da Economia.
“Informei hoje o senhor ministro da Economia e do Emprego da minha decisão de abandonar as funções de secretário de Estado da Energia, por motivos pessoais e familiares. Quero agradecer ao senhor ministro da Economia e do Emprego o privilégio que me foi concedido para desempenhar estas funções, enaltecendo a importância do seu trabalho na liderança deste Ministério”, explica uma nota do ex-secretário de Estado, citada pela agência Lusa.
Henrique Gomes é hoje substituído por Artur Trindade, até agora diretor de Custos e Proveitos da Entidade Reguladora do Setor Energético. A tomada de posse está marcada para as 15h30 no Palácio de Belém. O governante demissionário tomara em mãos a reestruturação do sector da Energia, assumindo a intenção de proceder a um corte nos pagamentos às produtoras de eletricidade – uma redução que poderia cifrar-se em 2500 milhões de euros, de acordo com um estudo recente.
A edição on-line do Jornal de Negócios adiantava ontem à noite que Henrique Gomes teria apresentado a demissão na semana passada, depois de ter visto travada uma intervenção no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) sobre o dossier das rendas excessivas, nomeadamente os seus efeitos futuros nas tarifas da eletricidade. O secretário de Estado, recordou o diário, advogou a aplicação de uma contribuição especial sobre rendas excessivas na produção energética regulada. Uma iniciativa que acabaria inviabilizada pelo Executivo - o processo de privatização da EDP foi o primeiro argumento, seguindo-se, mais tarde, uma tomada de posição contrária à alteração unilateral de contratos.
Entre as forças políticas da Oposição, ganha corpo a tese de que Henrique Gomes sai da estrutura do Ministério da Economia porque o Governo não quis afrontar interesses instalados. Em particular da EDP.
Um Ministério “errado na sua orgânica” - O incómodo da administração da EDP ficou patente na semana passada, quando o presidente executivo da empresa, António Mexia, considerou que “a questão da existência de rendas é um falso problema”, recusando-se a reconhecer quaisquer proventos excessivos. A EDP não comenta, para já, a demissão do secretário de Estado da Energia. Já a Oposição é rápida a associar a saída de Henrique Gomes a interesses de grupos económicos. E à “descoordenação” na equipa de Santos Pereira.
“Este é mais um exemplo da descoordenação que grassa no Ministério da Economia. Temos assistido a um ministro que tem sido sucessivamente esvaziado de competências, o que demonstra aquilo que nós sempre dissemos, que este Ministério é errado na sua orgânica desde o início e que o ministro Álvaro Santos Pereira não tem peso político para o gerir, não consegue coordenar uma verdadeira política que vise o crescimento económico e o emprego”, avaliou o deputado socialista Rui Paulo Figueiredo, ouvido pela Antena 1.
No programa da RTP Prós e Contras, Basílio Horta não hesitou em pôr em dúvida as justificações oficiais para a demissão. “Acho que é o começo da desagregação do Ministério da Economia”, afirmou o antigo presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP). O até agora secretário de Estado da Energia, prosseguiu o deputado eleito nas listas do PS, “tinha uma certa ideia, até fez diplomas que nunca chegaram a ver a luz do dia”: “Não são propriamente, julgo eu, aspetos familiares”.
Também ouvido pela rádio pública, o deputado do PCP Agostinho Lopes considerou, por seu turno, que a demissão “culmina a impotência” do Governo face às grandes empresas: “O Governo a que pertencia o secretário de Estado, que tem sido tão rápido, tão opressivo, tão urgente e mesmo emergente a fazer subir o IVA na eletricidade e no gás natural, ainda no último trimestre do ano que passou, a sacar o 13.º e o 14.º mês aos portugueses, não conseguiu ao fim de sete meses (...) pôr cobro a nenhuma dessas rendas excessivas do sector electroprodutor”.
O Bloco de Esquerda não tem dúvidas em concluir que “são os grandes grupos económicos” que estão “a levar vantagem” num “diferendo entre a defesa dos consumidores e a defesa” dos interesses empresariais. Pedro Filipe Soares sublinha que deveria caber ao Ministério da Economia a tarefa de “lidar com aquelas que são rendas abusivas no setor energético, particularmente no caso concreto da EDP”. À Antena 1, o deputado bloquista assinalou ainda o facto de se ter alimentado, na semana passada, “a dúvida” sobre a continuidade de Álvaro Santos Pereira quando o ministro “teria já na sua secretária o pedido de demissão do secretário de Estado”.
Num comunicado entretanto difundido, o Partido Ecologista “Os Verdes” estima que a demissão do secretário de Estado da Energia “muito provavelmente não se pode desligar de um conjunto de nomeações já feitas, designadamente para a EDP”. Os parceiros dos comunistas na CDU consideram também que as empresas do sector da energia “formam um Estado dentro do próprio Estado”.
“Nada muda” - Diante de Basílio Horta, o secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Carlos Moedas, quis assegurar que “nada muda com a demissão” de Henrique Gomes. “Confirmo essa demissão por razões pessoais e familiares do senhor secretário de Estado. Mas um Governo funciona como uma equipa”, frisou Carlos Moedas, acrescentando que “o trabalho que o secretário de Estado da Energia começou” decorre de “medidas que estavam no memorando da troika”. “Aquilo que está a ser feito pelo secretário de Estado Henrique Gomes está a ser feito por equipas do Governo, pela própria equipa que eu dirijo, que está a monitorizar”, enfatizou.
Na RTP Informação, o deputado do PSD Carlos Abreu Amorim falou de desgaste: “São razões pessoais, que era, aliás, o que eu já estava a desconfiar, porque a tarefa governativa hoje em dia, qualquer tarefa política, é extremamente desgastante”. “O combate político ao Ministério da Economia é exatamente ao ministro, ou seja, um combate intuitu personae. Portanto, penso que não será por causa disso que o secretário de Estado se demitiu”, vincou.
“Lucros excessivos” - Henrique Gomes havia indicado, em fevereiro, que estava a negociar, junto da troika do Fundo Monetário Internacional e da União Europeia, os “lucros excessivos” das produtoras de eletricidade. O secretário de Estado sustentava então, em declarações recuperadas pela Lusa, que “a EDP e a Endesa” deviam “perder ou atenuar significativamente a sua garantia de potência”.
Henrique Gomes defendia mesmo a adaptação dos incentivos financeiros para aquelas empresas às necessidades do mercado, de forma a “evitar sobrecustos existentes”.
Carlos Santos Neves
Fonte:
RTP