Eu agora vou fazer um bocado o papel de advogado do diabo.
Toda a polémica que vimos em Espanha enquadra-se numa questão mais complexa que tem a ver com o que é público e o que é privado. Como vivemos em democracias mistas que não são nem 100% socialistas (tudo público) me 100% liberais (tudo privado) por vezes torna-se difícil analisar de forma mais fácil estas questões.
Já no ano passado referi que não é mau o IM cobrir metade do orçamento com venda de serviços e produtos, antes pelo contrário, é bom que assim seja, para bem do contribuinte. Porque não tenhamos ilusões, dados de climatologia são importantes para muitos negócios e a própria meteorologia será cada vez mais também um negócio. Esta evolução do IMN para AEMET em Espanha não foi acidental, tem precisamente a ver com o facto de que despontam cada vez mais empresas privadas no país vizinho que fornecem produtos e serviços a cada vez mais sectores, desde a agricultura às eólicas.
Todos os Institutos vendem informação, mesmo o IMN de Espanha antes de ser agência já o fazia. Podem ver por exemplo neste PDF a longa lista de preços dos serviços e a lista de itens de interesse público que eram gratuitos no anterior INM:
http://www.meteopt.com/forum/files/20060201.pdf (PDF)
Sendo um Instituto de Meteorologia uma entidade pública, quer aqui quer em Espanha, a coisa mais importante nestes debates é saber distinguir o que é serviço público que interessa a todos os cidadãos que pagam impostos, e o que é serviço que interessa sobretudo ao negócio de empresas privadas. Se há dados que interessam maioritáriamente ao negócio privado, é bom que esses dados sejam comercializados, pois de contrário somos nós contribuintes que financiamos com os nossos impostos os dados que servem negócios privados.
É nesta distinção que todos se devem concentrar. Saber o que é serviço público e nunca prescindir dele e lutar por ele se ele nos for sonegado e também lutar para que ele seja melhorado. Mas também compreender que há informação que sendo gratuíta interessa sobretudo a interesses privados e que custa impostos ao contribuinte.
Olhando para Espanha, para aquilo que o AEMET tinha retirado. O radar regional por exemplo era um grande disparate, sem qualquer sentido. Obviamente que para a população era importantissimo terem acesso aos radares regionais, só um louco pode ter tido a ideia de passar isso para os serviços pagos. Mas por exemplo, olhando para o exemplo do HIRLAM. Será que ele pode ser considerado serviço público ? É discutivel, é um produto que não se destina ao público em geral, apenas se destina a dois sectores muito específicos, ou ao sector privado que também faz previsão do tempo, ou aos meteo-entusiastas que somos todos nós. Neste caso o AEMET recuou por causa dessa grande comunidade existente em Espanha.
Estes debates fazem-se também noutros países. Já falámos aqui muitas vezes da diferença entre o modelo global americano GFS e o europeu ECMWF, o primeiro tem todos os dados disponíveis gratuitamente, o segundo não. A abertura completa do GFS deu-se por ordem do governo americano há uns anos atrás mas ultimamente tem aumentado as pressões no sentido de alterar essa situação. Para muitos senadores o GFS é suportado pelo contribuinte americano e os seus dados estão a servir para negócios privados que até aqui eram maioritáriamente americanos, mas que hoje em dia começam a ser em todo o mundo. Compreende-se esse ponto de vista, porque terão que ser os americanos a financiar industria privada noutros países?
Claro que a nós, entusiastas, quanto mais informação tivermos melhor, e tudo o que se perder será mau, mas também há coisas que acho que deveremos ser mais compreensíveis devido ao que expliquei mais acima. Podemos tentar fazer uma analogia, por exemplo à saúde e educação. Seria admissível por exemplo uma universidade privada só ter salas de aulas e docentes mas servir-se por exemplo dum dispendiosolaboratório púbico para o seu negócio privado de ensino? Seria admissível por exemplo um hospital privado que concorre com um público recorrer aos equipamentos de diagnóstico de um hospital público pago pelos contribuintes?
Quanto a mim, aquilo que sempre foi a minha opinião quanto ao IM, é que quero melhor informação que é de interesse público. Por exemplo os radares hoje tem menos atraso do que tinham há uns tempos atrás, mas se calhar ainda podiam melhorar as actualizações, em vez dos 30 minutos serem menos. Em vez de ter mais estações, preferia que elas tivessem os dados em tempo real e sem falhas. Mas também compreendo que pela tal vertente dos negócios não possam por exemplo ter históricos de estações e se calhar também por isso é que removeram tanta coisa dos relatórios. Isso para mim pode ser compreensível até certo ponto mas se calhar exageraram um bocado, podiam perfeitamente ter alguns dados mais detalhados do último mês na forma de gráficos por exemplo, e remover talvez as tabelas com dados mais detalhados em formato texto. E sobretudo acho que se retiram coisas o deveriam ter feito com contrapartidas, melhorarem a informação de interesse público para compensar a que foi elininada, que foi o que o AEMET fez, apresentou melhorias nalgumas coisas para compensar a perca de outras.