Não há “água nova” no Guadiana e no Sado. Quem vive da terra e dos rios sofre com isso
No Guadiana falta peixe e no Sado há barragens com um volume de armazenamento de apenas 12% e 16%. Nas culturas de sequeiro, só a chuva pode ajudar a minorar perdas que se prevêem “em grande escala”. Quem depende da rega, também não tem garantias. A seca não escolhe quem vai afectar e isso sente-se nas margens dos dois rios.
Já passaram alguns anos desde que António dos Reis Soeiro, 78 anos, apanhou lampreia que se visse no Guadiana. O pescador da aldeia de Pomarão – colada à fronteira com Espanha e com a barragem espanhola do Chança quase a fazer sombra ao casario – está sentado à porta de casa a aproveitar o sol que espreita entre as nuvens negras desta tarde de domingo. “Aqui há uns anos, eu e outro rapaz chegámos a apanhar 986 lampreias. Mas tem vindo a diminuir. Cento e tal... No ano passado foram duas e este agora só uma”, diz, desalentado. A explicação, coloca-a na falta de chuva, que faz com que a água do Guadiana e das ribeiras que o engordam não se renove. “A água é sempre a mesma, está a compreender? E o peixe não entra. A água não vem da barragem, nem das ribeiras, nem dos barrancos. Isto não está nada famoso.”
Quem olha lá para baixo, para o Guadiana a espraiar-se largo entre as margens, pode ter dificuldade em acreditar no velho pescador de boina e olhos claros. Mas ele sabe do que fala. As cheias, que ajudam à subida da lampreia e antigamente levavam as águas do rio a invadir ruas e casas do Pomarão (há marcas a assinalar a chegada das águas às habitações baixinhas), são algo que não se vê por ali desde 1997. Nesse ano, as barragens encheram tanto que foi preciso abri-las. O alerta chegou na noite de 5 de Novembro. Na manhã do dia 6 estava tudo como mostram as fotografias que Margarida, esposa do velho pescador, mostra agora: as ruas mais baixas da aldeia já não se vêem, a água chega aos patamares superiores, onde está a casa de ambos, e, atrás, poderosos jactos de água saltam ainda da barragem espanhola.
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O Inverno que agora terminou foi já classificado pelo IPMA como
o 4.º mais seco do século, com a precipitação ocorrida entre Dezembro e Fevereiro a corresponder a cerca de 41% do valor médio. Uma situação que se reflecte no volume de água armazenado nas albufeiras das barragens nacionais – e também espanholas, onde tem chovido ainda menos do que em Portugal. Em Março, havia
dez barragens com um armazenamento inferior a 40% (eram apenas três em 2018), e duas delas estavam no Guadiana: a barragem da Vigia (24%) e a do Caia (32%).
Ano perdido
Luís Rodrigues, 38 anos, aproveitou o domingo de manhã para passar pela albufeira do Caia e procurar apanhar algum peixe com uma cana. À volta, só se ouvem pássaros ou o carro muito ocasional que atravessa a estrada lá em cima. O silêncio é tanto que se ouve o barulho de um cão a sacudir a água do pelo, depois de um banho na albufeira, a poucas centenas de metros de distância. O homem olha em redor, para as encostas em que é bem visível o local onde devia haver água – há uma faixa larga de terra castanha, despida, e só depois começam as primeiras ervas e árvores. “Isto devia estar mais cinco ou seis metros acima. Já tínhamos tido seca no ano passado. Agora já cortaram a rega em Setembro e, com os olivais intensivos, isto vai ser muito complicado”, diz.
Há-de ser para a rega, mas Francisco Corado, 46 anos, nem nessa hipótese pode pensar. Nos 400 hectares da Herdade da Fragosa, onde cria gado, a pastagem de que os animais precisam para se alimentarem é produzida em regime exclusivo de sequeiro. Ali, diz o produtor de Arronches, já quase não vale a pena ter esperança que chova. Porque não é possível recuperar de um Inverno sem chuva. “A pastagem vai ser sempre afectada porque as plantas que estão secas já não recuperam. O ciclo da planta fechou. Isto são plantas de sequeiro, pode chover que nunca recuperam”, diz.
Fermelinda Carvalho, presidente da Associação de Agricultores de Portalegre, que representa 3800 produtores – incluindo Francisco Corado –, diz que o que tem ouvido dos associados é que a situação “é extremamente grave”. “As secas têm sido sucessivas, mas esta já nos arriscamos a dizer que será a pior de que temos memória. Choveu muitíssimo pouco de Novembro até à data”, diz. A seca não escolhe e visa todos por igual. A também presidente da Câmara de Arronches diz que o efeito faz-se sentir “dos cereais às pastagens, às vinhas e pomares, que são poucos, ao olival, para quem não tem regadio”. Quem depende da rega “irá ser afectado mais à frente”, se não chover.
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