Enquanto os proprietários de estufas contam avultados prejuízos, a normalidade regressa à vida dos habitantes e pequenos comerciantes de Torres Vedras, que, apesar do "medo", agradecem o que o vento não levou há um mês.
Tal como a maioria dos vizinhos, Catarina de Jesus, de 82 anos, e o marido estavam a dormir em casa, na Silveira, quando o forte temporal que atingiu o concelho na madrugada de 23 de Dezembro ganhou a força máxima.
O resto da noite foi passado a rezar, enquanto ouviam as telhas a soltar-se e assistiam pela janela à "destruição" do seu pinhal, que lhes permitia fazer algum dinheiro com a venda de madeira "quando a reforma não chegava".
"Para mim foi um tornado, já só queria que os meus estivessem todos bem. Prejuízo já sabia que tinha", conta à Lusa, referindo que, um mês depois, é ainda mais fácil valorizar o facto de nenhum dos seus familiares ter ficado ferido.
Catarina de Jesus quer ainda esquecer os danos materiais sofridos, que não a impedem de "continuar a vida, como sempre" e de ter uma casa com condições condignas.
Por isso, os estragos nas residências particulares e nos quintais são agora, apenas, tema de conversa nos cafés, como acontece no estabelecimento de Filipe Martinho, no centro da Silveira.
"As pessoas têm medo, estão sempre a recordar. Se havia dificuldades, agora ainda há mais e há que cortar algumas despesas", explicou o dono do Café Daniel, que ficou sem toldos, telhas e vidros das montras na noite da grande tempestade.
À semelhança das outras lojas, o espaço teve de estar fechado três dias, até porque a luz era fornecida por períodos limitados. O negócio sofreu algum prejuízo por não receber clientes nos dias que antecederam o Natal, altura em que as "pessoas saem e gastam mais".
Ainda assim, Filipe Martinho agradece por não estar na pele dos proprietários de estufas de tomate e alface, que se confrontam com prejuízos de milhares de euros e passam agora os dias a tentar recuperar as terras.
Mais fácil é a missão de José Marta, dono de um pequeno terreno numa estrada secundária do concelho, onde planta batata e fava para venda a um comerciante e para consumo próprio.
"Só a fava é que ficou afectada, já era para estar a florir. Tenho andado a amanhar o terreno, que levou com água a mais, mas é só uma questão de atraso na colheita, ainda se aproveita", contou.
Reformado, José mostra-se aliviado por não viver da terra e por o mau tempo não ter afectado o seu dia-a-dia, bem como o da sua família.
João Lotra, morador na vila de A dos Cunhados, partilha do mesmo sentimento.
Apesar de ter sido obrigado a comprar mais de 50 telhas e persianas novas e do vento ter arrancado várias árvores de fruto do quintal, o reformado considera que os danos nas estufas foram os constituíram uma "desgraça".
"Tive alguns gastos, mas não me afectaram muito. Até parte da carne que descongelou com a falta de luz se aproveitou, a minha mulher cozinhou logo tudo o que conseguiu", explicou.
Segundo o morador, só os objectos espalhados por terrenos privados e públicos provam a força da tempestade de 23 de Dezembro, já que as pessoas tentaram arranjar rapidamente as casas.
Habituado a assistir às "queimas da geada" de outros tempos, João acredita, no entanto, que hoje já não se sabe o que é um verdadeiro Inverno.
"Aquilo que aconteceu foi bruto, mas é o Inverno. Só que como agora está tudo acostumado com um Fevereiro de ir à praia, não contam com estas coisas", disse.
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