Vamos imaginar que a célula que originou este tornado tinha passado umas dezenas de km a oeste, e tinha afectado somente o mar. Não teria acontecido absolutamente nada.
A diferença entre acontecer um evento problemático ou não acontecer absolutamente nada é muito ténue, e não se justifica emitir um aviso por uma situação destas, pois causaria duas reacções na população:
- a primeira de alarmismo excessivo, teríamos uma ou mais regiões do país à beira de um ataque de nervos, provavelmente seria um dia em que a vida normal das pessoas seria afectada, inclusive através do fecho de alguns estabelecimentos, com todos os prejuízos económicos que isso acarretaria. Imaginem o que aconteceria ao turismo no Algarve, se todos os meses fosse um emitido um aviso de tornado.
- a segunda, após alguns eventos em que não acontecia nada (mesmo que houvesse um ou dois tornados, a zona afectada seria ínfima), seria a despreocupação e o desprezar dos avisos, sendo que numa situação mais gravosa, e em que fosse necessário mobilizar a população, esta ficaria despreocupada e nem ligaria ao aviso.
Face ao previsto pelos modelos de manhã, o aviso amarelo no Algarve justificava-se. Não estavam previstos acumulados extraordinários, se bem que todos, inclusive os técnicos do IM (vou chamar assim, apesar de já ter mudado de nome), acredito eu, soubéssemos que sendo um evento essencialmente convectivo, havendo modelos globais a preverem 10 mm em 3 horas, era bastante provável que houvesse lugares afectados por eventos severos de precipitação. Mas também haveria outros cujos acumulados seriam irrisórios. E a pergunta põe-se, o que pensariam os habitantes desses lugares, após ser emitido um aviso laranja de precipitação, quando chegasse ao fim do dia e tivesse apenas passado um rápido aguaceiro?
Não isento com isto tudo o IM de críticas. Porque após o lançamento do aviso amarelo, como já referi justificado, se percebeu pelas imagens de radar que se aproximava uma linha de instabilidade com manchas de precipitação excessiva, e nesse momento a cor do aviso deveria ter sido imediatamente alterada, e não apenas umas horas depois. Já num evento há umas duas semanas atrás o IM lançou o aviso laranja de precipitação para os distritos de Lisboa, Santarém e Portalegre, a coincidir com as previsões do ECMWF e do Aladin, e houve uma excessiva demora a mudar esse aviso para os distritos de Évora e Beja, quando se notou claramente pelas imagens de radar que a maior quantidade de precipitação iria acontecer nesses locais. Poderia haver mais celeridade e mais acompanhamento em tempo real, mas de resto não me parece que se possa apontar qualquer outra crítica ao IM.
Isto de fazer avisos para a população é algo bastante complicado, exige uma gestão do risco ponderada, entre não criar alarmismo desnecessário, não descurar a segurança das populações e não lançar avisos excessivos, que poderiam criar um efeito de "Pedro e o Lobo". Por essa razão acho que todos nós devemos neste fórum evitar substituirmo-nos à Protecção Civil, e mesmo perante a previsão de eventos severos, não devemos prever derrocadas, incêndios, inundações, pois mesmo quem percebe muitíssimo de meteorologia não possui os conhecimentos necessários no que toca à estabilidade dos terrenos das áreas afectadas, da capacidade de infiltração dos solos, do estado de conservação da drenagem pluvial, etc., para poder fazer uma análise das consequências do mau tempo que prevê. Principalmente agora, com a notoriedade que o fórum tem vindo a ganhar (ontem batemos largamente o recorde instantâneo de visitantes), temos que ter alguma ponderação naquilo que escrevemos.