Quem estudou ou percebe o mínimo de climatologia, sabe que a circulação atmosférica (e oceanica) é originalmente causada pela diferença de calor (reflectida na temperatura) entre o Equador e os polos, devido à diferença na quantidade de energia solar recebida à superfície. Como qualquer sistema físico, a tendência de resposta a esta "perturbação" é no sentido do equilibrio, ou seja, de transporte de energia do Equador para os polos. O meio para se dar esta "distribuição de energia" é precisamente a atmosfera e o oceano (num processo mais lento). Depois, a rotação da terra faz o resto e cria os tais sistemas ciclónicos/anticiclónicos, que geram também correntes verticais ascendentes/descendentes, resultando na formação de nebulosidade ou não. Grosseiramente é isto que se passa, mas é muito importante para perceber o que se pode passar com as alterações climáticas. Vou agora elaborar uma linha de raciocínio:
Os dados indicam claramente que a região do Ártico está a aquecer bem mais rápido que o restante planeta. Isto faz com que a diferença de temperatura (gradiente térmico) entre o polo norte e o Equador seja mais pequena. Isto por si só, aponta claramente num sentido que leva a um enfraquecimento global da circulação atmosférica. Agora, deslocando-nos para as latitudes médias (40-70º), sabemos que é a área onde normalmente se dá o "choque" entre as massas de ar provenientes de latitudes baixas (subtropicais) e polares, com grandes diferenças de temperaturas, o que é um "gatilho" para um fenómeno muito importante no clima do Hemisfério Norte às latitudes médias, o jacto polar, um corrente muito forte na alta troposfera. Ora, tudo aponta que o aquecimento do ártico e o consequente menor gradiente térmico entre o polo e o restante planeta levem a um enfraquecimento do jacto polar.
Um jacto polar "normal" tende a circular no sentido W-E, mais ou menos em círculo ao redor do planeta. Sendo a corrente muito forte, de certo modo "aprisiona" o ar frio a norte, mantendo o ar mais quente a sul. Geralmente resulta numa circulação zonal mais pronunciada. Um jacto polar enfraquecido facilita a criação de meandros nessa circulação, o que possibilita não só a subida das massas de ar subtropicais a latitudes muito elevadas, como também massas polares a descerem a latitudes baixas. Mais, a atmosfera torna-se menos dinâmica, favorecendo a ocorrência de sistemas estacionários por períodos mais alargados no tempo.
Globalmente, um enfraquecimento do jacto traduz-se numa maior ocorrência de fenómenos extremos:
- Secas e muito calor em áreas onde um anticiclone se estabeleça por elevados períodos de tempo;
- Chuvas abundantes e cheias em áreas de baixo geopotencial que sejam "aprisionadas" por maiores períodos;
- Episódeos mais frequentes e intensos de incursões de ar quente subtropical no Ártico, levando a temperaturas máximas record;
- Episódeos de frio a latitudes pouco usuais, podendo trazer temperaturas baixas record e mesmo neve a zonas onde há muito não acontecia;
Porém, como a tendência geral é de aquecimento, as massas de ar polar que invadem latitudes baixas serão de certo modo "menos" frias, pelo que o impacto não será tão notório.
De certo modo, diria que se o planeta aquecesse todo por igual, à mesma taxa, as diferenças não seriam tão evidentes. O problema está no Ártico aquecer muito mais depressa. E creio que os resultados já se começam a observar nos últimos anos. Têm sido evidentes grandes contrastes à mesma latitude. Por exemplo, um Novembro frio nas longitudes da Grã Bretanha/ Peninsula Ibérica/ França contrastando com muito calor na Europa do Leste e Mediterrâneo. Igual nos EUA, com muito frio na parte Leste e calor no lado do Pacífico. Cada vez mais a atmosfera no Hemisfério Norte parece inclinar-se para uma sucessão de ondulações do jacto que resultam nestes contrastes enormes. Quanto mais fraco este estiver, mais e mais fortes ondulações ocorrerão.