belem
Cumulonimbus
Belem,
a minha família tem vários caçadores, inclusive o meu pai já foi director de reservas de caça, e conheço muito bem a realidade do mundo cinegético no Algarve e Baixo Alentejo. Embora haja caçadores e associações que estão a tentar mudar a imagem do desporto, a realidade mostra o contrário, e em boa verdade as coisas não mudaram muito nos últimos trinta anos: os caçadores continuam a ser um dos maiores obstáculos à protecção da biodiversidade, pelo menos no Sul do país. Considera-se que os predadores, por se alimentarem das peças de caça, são um prejuízo para as reservas, que gastam dinheiro em plantações de trigo, vigilância, limpezas de terreno e bebedouros. Por isso garanto que há controlo de predadores, encapuçado, escondido, sim, há, e não pode continuar.
Sim, ainda há pouco tempo num forum de caça, vi um caçador admitir que matava as pegas-azuis, por exemplo. Claro que levou uma reprimenda exemplar de outros caçadores, mas sempre confirma o que dizes, na verdade há sempre alguém que faz controlo de predadores. E sim, não pode continuar... Eu explico, os predadores têm muito melhor olho que os caçadores, são eles os agentes de limpeza da floresta, com a qual vivem há muitos milhares de anos, atacando sobretudo os animais fracos ou doentes. Se for só o caçador a gerir uma coutada, passado uns tempos, já não há caça.
Agora claro que por vezes se deve gerir os excessos, mas a Natureza normalmente sabe lidar bem com isto, se há muita raposa ou mangusto, por alguma coisa deve ser, não deve ser certamente à pala das perdizes grandes e saudáveis ou dos coelhos sadios, mas antes de fontes alternativas, como roedores, restos do talho deixados em algum lado, animais doentes, etc...
Para todo o caso, a presença do lince-ibérico acabava com todos estes problemas, pois controlam de forma eficaz todos os animais abaixo da cadeia alimentar, com os quais se relacionam troficamente.
Conheço caçadores espanhois, que até protegem os linces das suas coutadas ( Doñana), para terem mais e melhores coelhos. Mas o problema é que a mentalidade dos caçadores varia... O ICN tem tentado alertar os caçadores da zona do Guadiana, com campanhas de sensibilização, mas sou um pouco céptico em relação a isto.
Por isso, algumas zonas, nem deviam ter licença de caça... O que até pode ser possível, baseando em fontes de rendimento alternativas.
Temos que encontrar uma forma de haver espaço para quem deseja a protecção da biodiversidade e para quem aprecia a caça. Temos cerca de 220 000 caçadores, mas aposto que o número de portugueses que deseja a protecção da sua fauna é largamente superior. Vivemos em democracia, e temos de encontrar uma forma de conjugar interesses opostos. .
Concordo perfeitamente.
A caça é uma actividade periférica, não tem a dimensão da agricultura como actividade económica primária no mundo rural e tem cada vez menos pessoas, isto comparando com anos anteriores.
Por tudo o que foi exposto, e tendo como exemplo a protecção e reintrodução do lince-ibérico, considero que a caça deve ser proibida em toda a Serra do Caldeirão e de Monchique, no Vale do Guadiana e em parte da região de Barrancos. O objectivo é que haja um corredor ecológico que vá desde a Costa Vicentina até à Serra Morena.
A serra algarvia tem poucas condições para a agricultura, é uma região de solos pobres e inclinados. A geografia da região é pouco propícia à fixação da população, não tenhamos ilusões. O melhor que há a fazer é apostar na produção de cortiça, alguma madeira, apicultura e turismo ambiental, muito turismo ambiental. A actual compartimentação da serra algarvia em reservas de caça é incompatível com a preservação do lince-ibérico, ponto final. Admito que possa haver reservas nas regiões menos propícias à presença do lince, por exemplo, em áreas do nordeste algarvio, zonas próximas do litoral, mais humanizadas. mas o coração da serra, como a Alcaria do Cume, Águas de Fusos, Barranco do Velho, Ameixial, Mu, Alferce, etc, essas zonas devem estar livres de actividade cinegética. .
Obrigado pelas referências que me dás, vou investigar um bocado sobre isso, embora já possa dizer que é possível esse corredor Costa Alentejana- Sierra Morena, tanto que ele já existe e devia ser melhor protegido.
E para quem quer argumentos económicos para tudo e mais alguma coisa, ficam aqui umas breves notas. Nunca vi um único turista estrangeiro a caçar em Portugal. Ao longo dos anos encontrei muita gente do Minho ou da região Centro que vinham ao Sul, alguns espanhóis, mas ingleses, alemães, holandeses, suecos, etc., nunca! Mas a fazer caminhadas nas nossas ribeiras, a observar aves na Ria Formosa ou no Sapal de Castro Marim, a passear de bicicleta no barrocal encontrei sempre às dezenas de turistas da Europa rica e civilizada. Já imaginaram quantos turistas poderíamos captar com a requalificação ambiental das serras algarvias? Com a reintrodução do lince-ibérico e de outras espécies que já estiveram presentes na região até tempos recentes, como o lobo-ibérico? .
Sem dúvida, já tenho reparado que o facto de termos espécies únicas na P. Ibérica atrae a atenção e a curiosidade de outras pessoas.
Penso que caminhadas para ver camaleões também deviam ser organizadas, sobretudo com a ajuda de guias e com o apoio de um centro de interpretação. Isto poderia dar mais postos de trabalho, era dinheiro melhor aplicado e um garante de um futuro mais sustentável.
Em suma, considero que a longo prazo a conservação do lince-ibérico em Portugal passa pela classificação da serra do Caldeirão e da serra de Monchique como áreas protegidas e a proibição da actividade cinegética na região. Acrescento ainda que serão necessárias outras medidas, como a avaliação das populações de coelho-bravo e uma vigilância eficaz, feita por pessoas que não sejam naturais do Algarve ou do Baixo Alentejo e de preferência biólogos.
Sei que as associações de caçadores têm uma enorme influência junto do poder político, e que as minhas medidas levantariam uma enorme contestação, mas faça-se um estudo sobre o tema, aposto que a maioria dos portugueses apoia a existência de áreas livres de caçadores e dedicadas á protecção do lince-ibérico; repito que vivemos em democracia e até agora a população que apoia a preservação da biodiversidade não tem sido ouvida, enquanto o lobby da caça tem ocupado parte substancial do território com reservas e recebe fortunas do dinheiro dos contribuintes.
Sem dúvida e até acho que há espaço para todos os interesses, tanto dos caçadores como da maior parte das pessoas.
Contudo, sem dúvida que certas zonas não poderão ser objecto de caça, porque existem interesses mais prioritários em torno da sua protecção.
Com alguma creatividade até se pode tornar mais económica uma gestão ambiental do que uma gestão cinegética.
A aposta no ecoturismo e nos produtos regionais, podem ser importantes trunfos.