As nossas cidades são uma tristeza urbanística. Mesmo 100mm não deveriam provocar todo este caos.
Enquanto se continuarem a construir prédios e mais prédios a escassos metros de altura em relação ao nível médio do mar, enquanto se insistir em manter as hortas mesmo em cima dos leitos destes ribeiros em terreno praticamente plano, e neles se construírem barracas e armazéns de arrumo de material, as coisas não vão melhorar. Por mais obras que se façam, é impossível travar a corrente de um leito de cheia. É idêntico ao que se passa no Ribatejo, acostumados a viver de mãos dadas com o subir das águas do rio Tejo. O vale de Odivelas, Loures e Sacavém é igual. A altura é a mesma!
Numa das reportagens da TVI a um habitante de Sacavém dizia: "Moro aqui há quase 20 anos e nunca vi nada assim". Claro, isto porque, se não estou em erro a ultima "grande cheia em Lisboa" ocorreu em 1983 (ou 1987? Ajudem-me a ser mais preciso!
), já para não falar de 1967 ontem falado na RTP. Mas ainda assim esse habitante foi morar para aquele lugar. Será que não sabia o quão baixo está a baixa de Sacavém?
E felizmente estávamos em maré baixa. A maré-alta seria uma verdadeira tampa aos afluentes do Tejo, e se já assim o Trancão transbordou, com a passagem impedida eu nem quero pensar.
E se formos a ver bem, as quantidades de precipitação foram muito idênticas a 1967. As estações em redor de Lisboa voltaram a atingir valores de precipitação superiores a 100mm. E em poucas horas.
Em Odivelas, e graças às obras que se fizeram em torno do alargamento e limpeza da ribeira, tudo correu parcialmente bem. A água saiu do seu leito em apenas algumas zonas específicas alagando as hortas e arrastando muitos dos materiais hortícolas que se encontravam nelas. As perdas são apenas ao nível da agricultura de pequena subsistência: são pequenos pedaços de terra que pertencem a pessoas que as usam mais ou menos como passatempo. Mas em Loures as perdas devem ter sido maiores. Para lá corre toda a nossa água, e também porque lá a agricultura já tem um elevado peso económico.
Voltando a Odivelas, o principal problema aqui, foi que com a ribeira nos limites do transbordo de água, a rotunda do Senhor Roubado à saída de Odivelas (que liga Odivelas, Lisboa, Loures) estava impedida de escoar água, e ficou intransitável, tal era a altura da água. Daí o fecho da calçada de Carriche, que provocou um parcial isolamento da cidade, com filas e filas de transito que só começou a escoar depois das 11:30.
Este é mais um problema que nunca terá solução, uma vez que a rotunda está a 300m do leito da ribeira. A não ser que se construam diques por tudo o que é lado!
Sinto muito a morte de quem perdeu a vida neste temporal. Sinto muito pelas perdas da maioria. Mas quanto àquelas que vão à televisão dizer que a água lhes subiu 1, 2, 3 metros, que sempre que chove muito acontece algo assim, e que a junta/câmara não os ajuda em nada, eu só lhes tenho a dizer: “SORTE!” Tiveram muita sorte por tudo ter ocorrido na hora da maré baixa. E as pessoas de Sacavém, Loures e até mesmo em Odivelas, sabem bem o risco que correm, ou não se sentisse em Sacavém e em Loures o efeito das marés, quanto mais o efeito das cheias. Ousa-se perante a natureza, e a natureza acaba por brincar com essa ousadia.
Peço desculpa o meu “tom de revolta”, mas há determinados comportamentos neste povo português que me ultrapassam. Sempre com a mania de acusar aquele e o outro pelas coisas menos boas, quando muitas vezes a culpa é de nós mesmos. Mas e admiti-lo?
O PDM das câmaras municipais é péssimo, sabemos disso. Mas a consciência das pessoas que construíram nesses lugares (e sabe-se que a construção de grande parte desses edifícios ribeirinhos foram feitos de forma ilegal), não é melhor. Falha o governo/autarquias, mas a meu ver a maior falha é do inconsciente que testa, neste caso, a sua própria vida.