Rio Grande do Sul, no Brasil, é susceptível à pluviosidade extrema. Especialistas dizem que reconstrução não pode ignorar crise climática, devendo afastar edifícios dos rios e permeabilizar solos.
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Alguns pontos importantes a discutir (embora por cá eu acho que quase ninguém vai tirar lições e planear de forma diferente do que costuma ser feito em Portugal):
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Construir diferente -
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Esta reconstrução do Rio Grande do Sul terá de ser pautada pelo olhar da adaptação à mudança do
clima. A região sul do país e toda a bacia do rio Prata são apontadas pelos especialistas como uma área que vai ter fragilidades com eventos associados à pluviosidade. Isto quer dizer que não adianta repetir as cidades da forma como elas eram”, explica ao PÚBLICO a urbanista brasileira Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
Opinião semelhante tem Henrique Evers, gerente de desenvolvimento urbano da organização sem fins lucrativos World Resources Institute (WRI na sigla inglesa) no Brasil. “Temos de reconstruir considerando os regimes de chuva, seca e ondas de calor do futuro. Se a gente não reconstruir considerando esses novos cenários, a gente vai ter uma nova destruição assim que as novas infra-estruturas estiverem prontas”, avisa o geógrafo.
Após a tragédia, como reconstruir para evitar novas tragédias? Será necessário, segundo os dois especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, garantir que as construções ficam ainda mais afastadas do que estavam das margens dos vários rios e do lago Guaíba. E que as cidades sejam lugares permeáveis, garantindo ainda uma “priorização absoluta do transporte público”.
“Com a mudança do clima, as áreas de preservação permanente previstas hoje pela lei terão de ser aumentadas, porque o que está previsto é claramente insuficiente tendo em conta o volume de água no rio Guaíba. Isto é uma discussão técnica muito necessária”, diz Suely Araújo.
Henrique Evers subscreve. “Não vamos repetir os erros os erros do passado – por exemplo, a ocupação na frente de rio vai ter de recuar, a ponte vai ter de ser mais alta e a ocupação nas encostas já não vai ser possível”, exemplifica o especialista da WRI Brasil.
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O erro da impermeabilização (tão comum nas cidades portuguesas) -
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Os centros urbanos têm de estar mais permeáveis, a exemplo da lógica das cidades-esponja na China. Tanto Suely Araújo como Henrique Evers criticam a obsessão com a impermeabilização das cidades, “como se fossem piscinas”, fazendo com que a chuva não seja absorvida pelo chão.
Henrique Evers afirma que Porto Alegre e outros centros urbanos do Rio Grande do Sul, a exemplo da maioria das cidades, reproduz um modelo hidrófobo – ou seja, de horror à água, expelindo-a em vez de permitir a lenta absorção da chuva pelos solos. E, ironicamente, foi esse mesmo modelo de cidade-poluidora que contribuiu para enchermos a única atmosfera que temos com
carbono, sublinha o geógrafo.
“Construímos as nossas cidades num modelo que nega, doma e combate a natureza. É um modelo de hidrofobia. A gente canaliza e tampa os rios, impermeabiliza os solos, controla ou extingue as árvores, avança sobre os corpos de água com aterros. É imperativo: temos de fazer diferente”, avisa Henrique Evers, numa chamada telefónica com o PÚBLICO a partir de Porto Alegre.
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Os erros da agro-pecuária (culturas intensivas, mono-culturas em grandes áreas, destruição de barreiras naturais aos agentes meteorológicos) -
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O sector agro-pecuário, sendo um sector muito importante no Rio Grande do Sul, sai também bastante fragilizado destas cheias. Há na imprensa brasileira referências à perda de gado e áreas de cultivo, alfaias agrícolas. As enxurradas das últimas semanas também provocaram um grande empobrecimento dos solos, roubando-lhes os nutrientes necessários à agricultura.
“Há relatos de que a terra foi literalmente lavada e que há locais onde o que se vê é a rocha. Num estado que depende da agricultura, isto é um grande desafio que terá de ser enfrentado de imediato”, diz Suely Araújo.
A especialista do Observatório do Clima explica que o Rio Grande do Sul é um “estado com um historial de degradação ambiental na área rural” e que “será necessário fazer um intenso trabalho de restauração de campos nativos, tendo atenção ao que se fez no passado, e isto significa em parte mudar a economia do estado”, numa referência ao “intenso desmatamento”.
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Será o consenso atingido ainda em tempo útil? -
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Estas eventuais mudanças, contudo, enfrentam, segundo a mesma fonte, uma grande resistência por parte dos partidos políticos que representam os interesses do sector agro-pecuário, que é “um pilar da economia brasileira”. Suely Araújo diz haver uma força grande da chamada bancada ruralista, que faz uma pressão constante, segundo descreve, para que a legislação ambiental seja flexibilizada, sem garantir a sua aplicação.
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