Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?
São sete horas da manhã. O dia de trabalho dos guardas da Fundação Urso-Pardo (FOP)começou há uma hora. Estamos em Junho e as fêmeas, com as suas crias, são sujeitas a vigilância exaustiva todos os dias, durante as horas de maior actividade: a seguir à alvorada e antes do pôr do Sol. Encontramo-nos num ponto do curso superior do Sil, na comarca espanhola de Laciana, província de Leão. Texto de Eva Van Den Berg; Fotografias de Andoni Canela
Acabámos de percorrer um caminho encharcado pelo orvalho da manhã, até chegarmos a um penhasco de onde iremos observar, a várias centenas de metros de distância, uma das zonas onde os guardas-florestais localizaram uma fêmea com duas crias. Não se trata de um enclave fixo, pois a fêmea desloca-se constantemente por todo o território. Mas este é um sítio provável para a observar. Se não estiver aqui, partiremos para outro dos muitos pontos controlados pelos 22 guardas, homens e mulheres, que durante todo o ano, dia após dia, cruzam a pé o território deste carnívoro. Todos comunicam permanentemente uns com os outros via rádio, comentando as idas e vindas dos plantígrados cantábricos. Além disso, mantêm-se vigilantes para garantir que ninguém viola a lei que protege esta espécie. Têm competência para intervir e interpor acções judiciais. E fazem-no. “Na maior parte das vezes, deduzimos acusação em casos de colocação de laços para captura de javalis e de caça furtiva, sobretudo ao corço”, explica o guarda Luis Fernández. A sua profissão exige, sem dúvida, vocação, entusiasmo e firmeza em doses elevadas, atributos que não faltam a nenhum deles, nem ao chefe desta “tribo”, o presidente da FOP, Guillermo Palomero, dedicado há 20 anos à conservação do urso. Este homem, “urseiro” por convicção, aparenta contentamento, mas mostra cautela quando faz o balanço da actividade de conservação. “Ainda há muito por fazer”, explica. “Continuam a morrer animais devido às armadilhas e ao uso de venenos e ainda não foram desmanteladas as infra-estruturas que fragmentam o habitat do urso e impedem a comunicação entre os indivíduos da Cantábria Oriental e Ocidental.” Apesar destas reservas, há razões para júbilo. Em Março de 2001, o número de efectivos não ultrapassava os 80 animais, mas já era possível prever que as coisas iam melhorar. Superado o eterno desacordo entre as administrações e as ONG implicadas na recuperação do maior mamífero terrestre da Península Ibérica, alcançou-se umconsenso, do qual resultou um programa de acção conjunto. Estima-se que, na actualidade, exista na cordilheira cantábrica uma população de 130 animais. No censo de progenitoras com crias realizado em 2005, apurou-se um recorde de taxa de natalidade, ultrapassado na temporada de 2006, durante a qual nasceram 30 ursos (esbardos, como lhes chamam nas Astúrias). Os que sobreviveram já são jovens independentes. No monte, fazemos aquilo a que chamam “a espera”, ou seja, permanecemos imóveis, enquanto observamos, com o binóculo, a grande massa de pedra que é a montanha diante dos nossos olhos. Não sinto os pés nem as mãos. Um frio húmido infiltra-se nos ossos. “Isto não é nada, frio é o que faz no Inverno”, comenta outro guarda, José Manuel Ramón. Enquanto os guardas perscrutam a paisagem, levanto-me para caminhar, na esperança de reactivar a circulação sanguínea. Aqui, os ursos contam com bosques de faias e maciços de carvalhos e bétulas. Frequentam sobretudo as franjas situadas entre 1.100 e 1.400 metros de altitude, embora possam subir acima dos dois mil metros, em busca de pastagens e rochedos. Regresso ao meu posto no momento exacto. Os guardas continuam de binóculo em punho, mas agora estão de pé. “Ali está!”, observa Luis. Demoro alguns segundos até conseguir focar uma formosa fêmea que, seguida dos filhotes, caminha e fareja o solo. De vez em quando, detém-se e levanta pedras com a pata enorme, em busca de insectos para comer. “Apesar da sua reputação, os ursos são pouco dados à caça. Apreciam os frutos secos e os mirtilos, as ranunculáceas, as umbelíferas, as pastagens soalheiras e os rebentos de faia. E adoram mel”, conta Guillermo Palomero. A observação da fêmea e das crias “ao vivo e em directo” produz uma sensação muito especial e emocionante. Confere outro significado a esta paisagem que me rodeia, a qual, a partir de hoje, jamais poderei voltar a contemplar da mesma maneira. Tive muita sorte, porque os ursos são muito difíceis de avistar. Consegui fazê-lo porque vim aqui na companhia das pessoas que melhor conhecem o urso, caso contrário seria altamente improvável. Quase sempre são avistados à distância e a sua presença costuma ser atestada pelas pegadas no chão, pelos excrementos, pelas raspagens na casca das árvores. A maioria dos habitantes da região nunca os avistou. Nós pudemos observá-los e, à vista desarmada, não são mais do que um ponto na paisagem. A progenitora não se apercebe que está a ser observada. A visão não é o seu melhor atributo. Pelo que me dizem, porém, se o vento soprasse de frente, seria capaz de localizar o nosso cheiro (tem um olfacto muito apurado) a quilómetros de distância e trataria de nos evitar. Leia o artigo completo na revista