Vamos a uma tentativa muito resumida e grosseira de explicar algumas coisas.
O que fornece energia a um ciclone tropical é a água quente, é daí que vem o calor e humidade necessária para haver instabilidade. Quando a convecção é muito intensa acaba por criar baixas pressões na superfície devido à ascenção do ar, baixas pressões que a certa altura se persistirem criam uma circulação fechada nascendo um ciclone tropical (com a ajuda de mais uns pormenores importantes nessa circulação que tem que fechar, que agora não há tempo de explicar).
A génese destes ciclones é diferente dum ciclone extra-tropical das nossas latitudes, aonde o "motor" são sobretudo segmentos acelerados e ondulados do Jet (vento dos níveis altos) que se formam entre massas de ar frio polares e mais quentes subtropicais.
Num ciclone tropical essa convecção profunda tem que persistir muito tempo (água quente novamente...) e à medida que a pressão vai baixando e a circulação aumentando, toda essa circulação do ar cada vez mais intensa gera como que um mecanismo de feedback, quanto maior a circulação, maior o forçamento presente na atmosfera, e mais intensas são as trovoadas que se vão formando (que precisam de algo que as "force" a disparar), e graças à tal água quente (novamente...) vão extraindo assim doses massivas de calor e humidade (energia) do Oceano numa cadência e processo extraordinariamente eficiente que se vai realimentando.
E aqui chegamos a outro pormenor importante. Por exemplo, numa trovoada típica das nossas haver cisalhamento do vento (windshear) é o que permite a determinada trovoada manter-se muito tempo porque é o que impede que as correntes descendentes de precipitação (mais frias) "abafem"/caiam/colapsem sobre as ascendentes (mais quentes e húmidas), ou seja, a trovoada para se manter muito tempo convém ter portanto uma estrutura vertical
inclinada pelo windshear (cisalhamento do vento), mas já num ciclone tropical essa ventilação do sistema é completamente diferente, e oposta, tem que ser
vertical/aprumada.
Num ciclone na superfície forma-se uma baixa pressão convergente, com as massas de ar húmido e quente a convergirem todas para o centro no sentido ciclónico enquanto em altitude forma-se um anticiclone divergente, aonde o ar que foi convergindo para o centro na superfície é depois escoado em altura de forma anticiclonica e divergente. Forma-se uma espécie de chaminé muito bem arejada que ventila o sistema, uma autêntica turbina criada pela natureza. Essa estrutura de "chaminé" dos ciclones tropicais tem que permanecer o mais vertical possível entre a superfície e os níveis mais altos da atmosfera, por ex., basta estar um pouco inclinada/desalinhada entre níveis baixos/médios e/ou altos e é como se fosse um motor gripado com alguns/muitos problemas mecânicos. Não é possível assistir por ex. a uma intensificação explosiva se tudo não estiver rigorosamente alinhado na vertical e o ar estar a circular entre os níveis baixos e altos da forma que referi. Esta é uma das razões porque vemos muitas vezes depressões tropicais que durante dias, mesmo num "caldo" aparentemente bastante favorável, não conseguem evoluir muito a partir daí, há uma peça qualquer na engrenagem que mencionei que está a falhar, ou porque existe cisalhamento do vento, ou porque a circulação não está completamente fechada (é como se existissem fugas no "motor"), ou porque há intrusões de ar seco que impede as trovoadas de entrarem nessa dinâmica contínua muito eficiente, etc.
Quando um ciclone tropical se vai aproximando dos Açores acontecem geralmente 2 coisas:
1) Uma delas é a tal energia, que provém da água quente que referi antes, ou seja, à medida que os ciclones tropicais se aproximam dos Açores as águas tornam-se mais frias e a "energia" disponível vai diminuindo, por vezes de forma significativa. E quando falamos de água quente, não é apenas a temperatura superficial do mar, que até pode estar relativamente quente à superfície nas nossas latitudes durante alguns dias ou semanas por causa de um Verão mais quente por ex., mas a profundidades ligeiramente maiores até pode estar relativamente "fria". Se tiverem um ciclone tropical intenso a "sugar" quantidades enormes de humidade e calor das águas e a gerar upwelling que arrefece as águas, precisam mesmo de ter a água bastante quente até profundidades maiores que consigam alimentar a "besta". Não é o caso.
2) Outra delas é que geralmente (com raras excepções) aumenta o cisalhamento do vento (windshear) devido à interação com o Jet das nossas latitudes, o que quebra a estrutura vertical (essencial) da tal chaminé que referi. Uma corrente de Jet de oeste mesmo modesta quebra a tal circulação anticiclónica perfeita que tem que haver em altitude. Mas também pode haver casos em que devido a uma cutoff por ex. numa zona esse jet até esteja parcialmente a ajudar à tal ventilação pelo menos em parte nalguns quadrantes do sistema. Também não é o caso actual.
Ou seja, o que acontece (felizmente para os Açores)
quase sempre é acabar ou diminuir significativamente a "energia" e simultaneamente ocorrer a quebra dessa estrutura vertical que ventila o sistema. Em linguagem figurada, não só deixa de haver tanta lenha para arder na lareira como a chaminé se vai entupindo ao mesmo tempo.
Dito isso, não é assim tão invulgar ocorrerem colapsos de forma bastante rápida de ciclones tropicais. Basta pensarem no que acontece quando um ciclone tropical entra em terra quando de repente deixou de ter a água quente e respectiva humidade que lhe era fornecida. E mesmo o windshear, já vi furacões de categoria 5 a serem fulminados pelo shear em 2 ou 3 dias tornando-se uma amálgama disforme de trovoadas deslocadas da circulação potente na superfície.
Ocean Heat Content
De qualquer forma, seja uma Tempestade Tropical seja um Cat1, nos Açores devem seguir atentamente a evolução deste ciclone, os efeitos podem ser significativos (a precipitação por ex. nestes sistemas é sempre uma incógnita), o meu palpite é que os efeitos venham a ser um pouco mais intensos que os do Gordon de 2012.