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Há 40 anos que não chovia tanto em março
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Não é só impressão. Nalgumas zonas este mês choveu o dobro ou o quádruplo do que tem acontecido nas últimas décadas
A primavera chegou, mas só no calendário. Este é dos marços mais chuvosos e mais frios das últimas quatro décadas em Portugal. E a culpa é da NAO, sigla em inglês por que é conhecida a Oscilação do Atlântico Norte, que teima em não sair da fase negativa desde 16 de fevereiro, influenciando o anticiclone dos Açores e determinando a variabilidade climática do hemisfério Norte.
A confirmá-lo estão os dados do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) fornecidos ao Expresso. Estes indicam que a chuva que caiu entre 1 e 27 de março equivale ao dobro ou ao quádruplo (dependendo da região) da que foi registada em média, no mesmo mês, desde 1971. Em locais como a Amareleja, Beja, Évora, Portalegre e Vila Real de Santo António, “março de 2013 é já o mais chuvoso dos últimos 43 anos”, indica o IPMA, salientando a maior precipitação verificada no centro-sul do país. Até na Amareleja, no Alentejo, conhecida por ser tradicionalmente a localidade mais seca do país, a precipitação soma 140 milímetros, o que equivale a 372% da média registada desde 1971. A norte, as chuvas de março ainda não destronaram as do mesmo mês de 2001 (ano da queda da Ponte de Entre-os-Rios), apesar de também estarem bem acima da média, como revelam os dados do IPMA para Vila Real, Porto ou Viana do Castelo, confirmando a tendência generalizada da mais do que duplicação ou triplicação das quantidades, comparadas com a média das últimas quatro décadas. E como deve continuar a chover, de acordo com as previsões para os próximos 10 dias, é “muito alta a probabilidade de os valores máximos serem ultrapassados em mais locais, nomeadamente em Lisboa”, refere a climatologista Fátima Espírito Santo. Até à última quarta-feira, a capital registava 178 milímetros de precipitação em março, quase tanto como o valor do mesmo mês em 1975 (180 mm) e quatro vezes mais que a média verificada nestes 43 anos.
Entre 1 de outubro e 28 de fevereiro a precipitação média acumulada no território continental equivaleu ao dobro da registada anteriormente para o mesmo período. Porém, entre dezembro e fevereiro choveu menos 7% do que a média para esses meses de inverno, o que faz salientar ainda mais as chuvas de março. O frio também tem estado mais forte do que o normal. Neste inverno, os termómetros rondaram em média os 9,5 graus Celsius, o que corresponde a menos 0,1 que a média registada desde 1971. E em março as temperaturas máximas desceram entre 1?C e 4?C, segundo as tabelas do IPMA, apesar de as mínimas se terem mantido, com exceção de Lisboa, Portalegre e Castelo Branco.
Na capital, a temperatura máxima não foi além dos 16,5 graus — quando a média dos últimos 43 anos era de 18,2 graus; e a mínima desceu de 10,4 para 10,1. Em Castelo Branco, a quebra ainda foi maior, com os termómetros a não irem além dos 13,6 graus, quando a média era 18, e a baixarem até aos 6,5 menos um do que a média.
Descargas nas barragens
Este ‘marçagão’ molhado e sem tardes de verão agrada sobretudo aos produtores de energia hídrica e aos sistemas de armazenamento de água. Em fevereiro as barragens já estavam em geral acima da média, segundo o Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH), com 60 delas a revelarem disponibilidades hídricas superiores a 80% do volume total. Algumas, sobretudo no Tejo e no Mondego, já tiveram de fazer descargas para manter os níveis estáveis e evitar inundações. De acordo com fonte do SNIRH, “mesmo que não chova muito no próximo ano, a água acumulada este ano dará para manter as albufeiras para abastecimento nos próximos dois ou três anos”.
No que toca à produção hídrica, só a EDP registou uma produção de 4389 gigawatts hora (GWh) neste primeiro trimestre de 2013, o que equivale a quatro vezes mais do que em 2012, mas menos que no inverno chuvoso de 2010 (6015 GWh).
Tendência para depressões
Com uma tendência natural para falar do tempo e para sentir a influência negativa da chuva que não para de cair, os portugueses anseiam desesperadamente por sol e pela primavera que tarda. E uma das consequências do céu cinzento é as pessoas deixarem-se ‘afundar’ com a depressão meteorológica. “A falta de luz é um fator que acentua o humor depressivo, mesmo em indivíduos normais, e agrava-se nas pessoas que já têm uma tendência depressiva”, confirma a neurologista Teresa Paiva.
No seu consultório os aparelhos de fototerapia têm estado a ser usados ininterruptamente por quem anseia por luz. Mas quem os procura não são só os deprimidos pela falta de sol, mas também pessoas a que a neurologista chama “novos morcegos”, porque não aproveitam o dia. Também o psiquiatra Ricardo Gusmão confirma a ideia de que “a luz e a falta dela determinam o nosso humor; e uns, mais do que outros, tardam em ficar ativos e despertos, fluidos das ideias, sociáveis e produtivos quando os dias não convidam ao lazer”. Por isso, e tendo em conta que o céu vai continuar cinzento, o melhor é seguir os conselhos do coordenador da Aliança Europeia contra a Depressão: “Evitem hibernar e aproveitem a chuva, especialmente durante o dia e aos fins de semana.”
Fonte: Expresso