E por que venta tanto este Verão?
JOSÉ MIGUEL GASPAR
Tempo anómalo mantém-se até sexta com céu carregado no Minho, Douro Litoral e noroeste do continente. Ventos amainam no sábado e só depois regressa o calor.
Aquilo que temos na rua é a música da meteorologia, Vivaldi permenentemente, as quatro estações num só dia. Vamos já a mais de meio do mês de Julho, estamos às portas de Agosto, e o Porto tinha a meio da tarde de ontem uma anemia de 19 graus; às 22 horas descia para 16.
O tempo não é só cinzento, venta inesperadamente, há correntes cruzadas, voadas, vem chuva, os valores da precipitação são uma anomalia de Verão. Porto, Minho e Douro Litoral são o centro deste episódio, a que se juntam as costas do continente e a precipitação intensa prevista para a parte noroeste do país.
No Minho houve inundações, com carros a boiar em Braga e Barcelos (ver noticiário local) e voar na Ribeira era ontem um novo desporto no Porto: Caroline, Marie e Alix vieram do Mediterrâneo sul da França e descobriram um norte inteiro de vento. São três turistas francesas, todas na casa dos 30, e abanam mais do que as mil bandeirinhas dos barcos que correm quase vazios no Douro mais cheio. Chove e venta despenteadamente. "É uma surpresa. Vocês não tinham o clima temperado do Atlântico?", pergunta Alix, ela e as outras metidas, encolhidas, molhadas no túnel dos Canastreiros. "Desde manhã que parece que cheira a cães molhados", diz Marie. "Vai melhorar?". Parece que sim, amanhã, hoje ainda não e no chão há pelo menos quatro guarda-chuvas defuntos, esparramados no chão, dois pretos parecem aracnídeos torcidos, bichos de patas partidas.
É esquisito, o tempo está literalmente lituano, diz Daina, veio com Martynas, vieram de Vilnius, hoje namoram no Porto. "Estamos perplexos", dizem os dois, foragidos depressa para dentro da porta do café da Velha Tinha Um Gato. "Para nós é OK", diz ela em inglês cheio de vês, "mas esperávamos outra coisa, mais temperada. Salta sempre assim tanto o vosso tempo? Ainda no domingo vi 30 graus".
Vamos voltar. Daqui até ao fim-de-semana vamos ouvir várias vezes as quatro estações: hoje há precipitação alternada entre forte e fraca, ventos dos 20 aos 90km/h (os maiores só no montanhoso Montejunto-Estrela e nas terras altas do quadrante de oeste) e temperaturas máximas frias de 20 para o Porto, o mesmo para o Minho, mas o resto do país vai subir: 23 graus para Bragança, 25 para Lisboa, 26 para Castelo Branco e Portalegre, 27 para Faro, afastado todo o sotavento algarvio de qualquer tipo de precipitação.
Na sexta-feira abrimos com neblinas e nevoeiros matinais e tudo demais vai diminuir de intensidade. No sábado, o céu já se limpa e a temperatura começa a galopar lentamente pela próxima semana adentro, até chegar aos valores vivos que queremos do Verão.
De quem é então a culpa deste tempo tossido? É do Atlântico, está deprimido, explica o serviço do Instituto de Meteorologia - a música de espera na linha é a mesma, Vivaldi jacente. Mas essa depressão não está só: está "associada a uma corrente perturbada de sudoeste", circula "no seio de uma massa de ar muito quente" e tudo isso parece "uma massa de ar equatorial, húmida". É tempo adequado para a época do ano? Não, é anomalia - mas vivemos com ela dia a dia.
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=1314808