Vi o video da Ilha da Fuzeta e fiquei de facto impressionado. Não foi um "simples" galgamento, situação frequente em anos de temporal, nas zonas mais baixas e próximas das barras. Até no verão quando se aliam marés vivas a levante presenciei galgamentos, na ponta leste da Culatra por exemplo. O que começou por um galgamento rapidamente, pela sucessão de fortes temporais que fustigaram a costa algarvia, se transformou na destruição completa daquela zona do cordão dunar da ilha, por sinal a zona com mais infra-estruturas. Ora, quem conhece a Ria Formosa e quem já consultou alguma literatura e cartografia antiga, sabe perfeitamente que este é um sistema em constante dinâmica, com galgamentos, abertura de novas barras e deslocamento das actuais, isto desde que há registos. Fora da época de temporal, a tendência é no sentido de reposição de areias, tudo isto faz parte do frágil equilíbrio deste sistema. Prova disto é a barra de Olhão-Armona. Lembro-me perfeitamente dos levantes fortes de verão entrarem pela barra ria adentro até às marismas, tal era a largura e profundidade da barra. Hoje em dia, o canal navegável é quase inexistente na baixa-mar, a barra está completamente açoreada (para delirio dos amantes de verdadeiras ilhotas desertas e bancos de areia com água azul turquesa) e os levantes de verão quase não se sentem no interior da ria. Lá está, tira dum sítio, põe noutro. Frágil equílibrio.
Não obstante serem imagens impressionantes e dramáticas, esta subida enfurecida do mar que levou tudo à frente não deve ser inédita. Não é fácil aceder a registos históricos da zona, mas analisando a cartografia existente torna-se indutivo de que estes anos de fortes temporais alteram a "geografia" da ria. Ou seja, não é um fenómeno inédito. Contudo, não deixa de ser excepcional porque nem eu, nem pessoas mais velhas, se recordam de tamanha destruição.
A par dos noticiados estragos na Ilha da Fuzeta, a destruição também se fez sentir na Ilha do Farol (embora em muito menor escala) e proporcionou momentos e imagens tristes para quem lá passa bastante tempo.
Ao passo que a Ilha da Fuzeta (assim como a península do Ancão, onde se encontra a Praia de Faro) é um estreito cordão dunar (aproximadamente 50 metros, ou menos, no seu local mais estreito, onde estão construídas as casas), com infraestruturas na primeira linha de dunas (incrível), a Ilha do Farol é um extenso e largo cordão dunar, protegido por um molhe com cerca de 1km e com um paredão (que lhe dá continuidade) ao longo da praia poente. Não existem habitações na vertente oceânica construídas na primeira linha de dunas, as únicas construções resumem-se a 2 bares de praia, que ainda assim se encontram bem no cimo do paredão (que julgo ter cerca de 2,5-3m de altura).
vista para sul do cimo do Farol do Cabo de Santa Maria, com o referido paredão da praia poente e o bar de praia em foco. veja-se a altura das águas pelas 3 pessoas junto à vedação
vista para SE do paredão
vista para N do Farol, a cerca de 60-80m da linha de costa
bar da praia, um local ímpar em toda a costa portuguesa pela sua fantástica localização à beira de um mar azul turquesa grande parte do ano
A praia simplesmente deixou de existir, o mar venceu o "inatingível paredão", destruíu o bar da praia, submergiu passadeira e área de dunas entre o paredão e o próprio farol e chegou junto às primeiras casas da vertente oceânica, não provocando porém estragos por serem bastante afastadas e por terem uma construção muito mais sólida que as casas de madeira da Ilha da Fuzeta.
O meu pesar aos proprietários do bar de praia, que refira-se encontra-se perfeitamente legal. Esta situação na Ilha do Farol é inédita, e dá que pensar nas medidas a serem tomadas. Um reforço do molhe e paredão adjacente parece mandatório. Infelizmente, não vi nada disto noticiado (penso que pela ausência de destruição de casas particulares), e duvido que alguma coisa seja feita.