Peniche - Avó conta drama da criança arrastada pelo tornado
Uma menina arrancada do carrinho pelo tornado que lançou a destruição em Peniche escapou com ferimentos ligeiros, após um voo de mais de sete metros.
“Quero tentar esquecer. Foram momentos de grande pânico”, manifestou Ana Maria, a avó da bebé de ano e meio que foi arrastada pelo tornado que se abateu sobre a cidade de Peniche na tarde do passado dia 4 e que provocou ferimentos ligeiros na criança.
“Pensei que era guerra e um helicóptero a desfazer-se”, relatou a idosa, ainda assustada com o que se passou.
“Fui buscar a menina à creche do Centro Social Paroquial e começou a chover. Recolhi-me e quando a chuva grossa parou ia-me embora e começou a ficar uma grande ventania, ouvi um estrondo e vejo as gaivotas apavoradas no ar e de repente fiquei com medo de ser levada pelo remoinho”, contou.
Ana Maria disse que agarrou o carrinho de bebé onde a criança estava sentada e presa com uma fivela. “Puxei o carrinho e encostei-o a mim, mas a força do vento tirou-me a menina dos braços e ela voou”, recorda. Foi uma cena dramática para a idosa. “A grande rajada fez a menina saltar do carro e arrastou-a de um lado da rua para o outro, numa distância de vários metros, até ir parar debaixo de um carro que estava estacionado e que tinha a frente alta, enquanto que eu fui empurrada pela força do vento e caio de costas”, descreveu, adiantando que ficou com “o braço e perna dorida, e estava cheia de vidros que tinham vindo pelos ares”.
Quanto à pequena Mariana, “tem o nariz ferido, boca inchada e arranhão nas costas”. Foi transportada pelo INEM para o Hospital São Pedro Telmo, em Peniche, onde foi feita uma radiografia, “que não acusou nada”.
Por precaução, a mãe ainda quis levar a criança ao hospital das Caldas da Rainha, mas “ganhou medo ao tempo que se fazia sentir e como tinham feito o raio X em Peniche, decidiu não ir”.
A criança, apesar de ter “entrado em pânico”, conseguiu dormir e estava “com melhor disposição” no dia seguinte, quando foi ao Centro de Saúde de Peniche para ser analisada novamente.
A avó confessa não conseguir tirar da cabeça a imagem do incidente. “Quero ver se me distraio, vemos na televisão casos semelhantes e pensamos que só se passam noutros países, foi horrível, sem explicação, ver a criança a voar e não saber onde vai parar”, desabafou Ana Maria, para comentar de seguida que “foi sorte o vento não empurrar para o meio da estrada, senão podia ser apanhada por algum carro”.
Outro grande susto foi o que apanhou Filipe Andrade, de 20 anos, que viu a sua viatura ser atingida por uma árvore gigante (Cipreste da Califórnia) do Parque do Baluarte, vergada pela passagem do tornado. “Se estivesse alguém dentro do carro, era morte certa”, comentou, assustado.
À entrada de Peniche, a árvore classificada de interesse público com cerca de dezoito metros caiu em cima do carro que estava estacionado. Filipe Andrade testemunhou a triste ocorrência. “Estava à janela de casa e vi que a árvore estava a cair. Recuei com medo que pudessem saltar vidros e logo a seguir ouvi o estrondo da queda. Não tive tempo para fazer nada”, relatou.
A par deste veículo destruído e prejuízos noutros, um autocarro da Rodoviária do Tejo, que transportava cinco pessoas, virou-se com a força do tornado e tombou, provocando ferimentos ligeiros nos ocupantes.
Também o pedaço de uma palmeira foi espetar-se na perna de uma senhora de 64 anos, levando-a ao hospital de Peniche para ser socorrida.
Partes de telhados de várias casas e de um edifício de apoio à indústria de conservas Ramirez ficaram destruídas com a fúria do vendaval que se abateu sobre Peniche por volta das cinco e vinte da tarde, apanhando desprevenida a Protecção Civil Municipal, que não dispunha de quaisquer informações sobre a possibilidade de ocorrência da intempérie.
Irina Silva, moradora num dos prédios afectados no Bairro Arco-Íris, contou que “estava sol e de repente começou por chover chuva grossa e logo que parou veio o tornado, que levou telhas e até gaivotas pelo ar”.
Em frente ao bairro, um autocarro da Rodoviária que fazia o trajecto entre Caldas da Rainha e Peniche, não aguentou a força da rajada de vento e ao contornar uma rotunda acabaria por ser arrastado até tombar. O motorista e os quatro passageiros foram assistidos no hospital de Peniche com leves escoriações.
Logo após o primeiro contacto com os bombeiros, às 17h29, a Protecção Civil Municipal, em conjugação com os serviços municipais e as autoridades policiais, colocaram-se no terreno para apurar a existência de situações a merecerem uma pronta actuação, tendo sido cortadas duas artérias na cidade, para se proceder a remoção da árvore caída e do autocarro tombado, operação que demorou cerca de três horas e meia.
O comandante dos bombeiros de Peniche, Carlos Garcia, revelou que não se registaram feridos com gravidade, descrevendo que havia um prédio em risco de ruir que foi isolado e vários telhados levantados numa fábrica, numa escola e em diversas casas e pequenos armazéns. “Todos os meios existentes na cidade foram mobilizados”, assegurou.
Segundo os dados avançados pelo presidente da Câmara Municipal de Peniche, António José Correia, o tornado terá começado cerca das 17h20 na Praia de Porto da Areia Sul e atravessado o centro da cidade até à Praia da Gambôa.
De acordo com o Instituto de Metereologia, o fenómeno caracterizou-se por “um remoinho de vento que se deslocou ao longo de um percurso mais ou menos rectilíneo, acompanhado por um forte ruído. O efeito do vento em espiral e o efeito de forte variação de pressão levantou e transportou objectos, causando um rasto de destruição”. O tornado foi de “fraca intensidade, formou-se numa linha de instabilidade associada a uma depressão complexa com o núcleo principal centrado a Oeste da Península Ibérica”, mas “não foi detectado na rede de estações meteorológicas, tendo sido de 52 Km/h o valor máximo do vento registado no Cabo Carvoeiro”.
Os serviços da autarquia fizeram o levantamento provisório dos prejuízos causados e juntaram todos os relatos de estragos que entretanto foram sendo divulgados. De acordo com o Centro Municipal de Operações de Emergência da Protecção Civil de Peniche, registaram-se 8 feridos ligeiros, sendo que um deles não chegou a deslocar-se ao hospital e todos os outros regressaram às suas casas no próprio dia.
Não se verificaram situações de desalojamento mas houve destelhamentos parciais em cerca de quatro dezenas de edifícios habitacionais, destelhamento parcial na Escola do 1º Ciclo do Ensino Básico nº 1 de Peniche e numa unidade industrial, propriedade da Ramirez, ficando o edifício em risco de ruir, pelo que deverá ser demolido.
Foi registado, igualmente, o agravamento da situação de um edifício onde funcionava uma unidade industrial, a Sociedade Portuguesa de Congelação, situado junto à Rua Arquitecto Paulino Montez e à Rua Estado Português da Índia. Foram retiradas deste local as telhas soltas e os proprietários procederam à remoção dos elementos que poderiam constituir maior perigosidade.
Foram registados danos no edifício do Tribunal, traduzidos na quebra de vidros na parte frontal e houve danos no Destacamento Fiscal de Peniche, onde quatro edifícios ficaram danificados a nível da cobertura superior, seis viaturas militares e duas viaturas civis foram danificadas, e dois portões ficaram empenados.
Houve prejuízos diversos em viaturas ligeiras, tendo a PSP recebido 19 participações.
Quanto a uma estimativa dos prejuízos, as investigações estão a decorrer, não sendo ainda possível avançar com um valor.
A autarquia, em conjugação com vários serviços, procedeu à reparação das habitações no Bairro Arco-Íris (Santo António e São João), na Escola nº 1, no Bairro Valverde e no Bairro Luís de Camões.
Ao Gabinete da Presidência têm chegado outras participações a informar de prejuízos ocorridos, para as quais é disponibilizado o apoio jurídico adequado.