Articulação entre entidades ajudará a prevenir catástrofes
Investigador da Uma defende importância das previsões dos grupos académicos
Data: 11-03-2010
O coordenador do projecto Esteiras de Ilhas (Island Wakes), Rui Caldeira, defende uma articulação entre entidades como o Instituto de Meteorologia (IM), a Protecção Civil, os laboratórios regionais e as universidades como forma de melhorar a capacidade de resposta da Madeira às catástrofes naturais.
"Se existisse uma articulação das várias entidades, o que não acontece actualmente, haveria sem dúvida um maior potencial de resposta", defende o investigador do Centro de Ciências Matemáticas da Universidade da Madeira (UMa), manifestando disponibilidade com vista a uma futura colaboração nesse sentido. "Dadas as (micro)dimensões das instituições em Portugal, tanto ao nível financeiro como técnico, não faz sentido tentar construir tecnologias e sistemas de previsão ambiental independentes, sem orquestração de vários grupos", acrescenta Rui Caldeira, sublinhando que sem essa conjugação de meios, tudo o que se possa fazer "é uma proposta 'a priori' mal dimensionada".
O investigador lembra que os cientistas necessitam "de acesso a dados para melhorar os modelos e estudar os fenómenos naturais", ao passo que os grupos operacionais como o IM podem beneficiar da contrapartida do "desenvolvimento científico obtido através destes estudos, para melhorar as suas capacidades de previsão". Para que isto seja uma iniciativa "digna de um país dito desenvolvido, as pessoas e os grupos têm de se entender e de se deixar de 'jogos de capelinha'", vinca Rui Caldeira, destacando a importância de "cimentar sinergias em prol do desenvolvimento e na resposta ao financiamento público".
No caso do temporal que se abateu sobre a Madeira no passado dia 20 de Fevereiro, o modelo meteorológico utilizado pelo projecto Esteiras de Ilhas - o MM5, que é equivalente ao usado pelo Instituto de Geofísica Infante D. Luís, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa - previu a elevada precipitação nalguns pontos da ilha. Rui Caldeira diz que isso não significa que "esta ferramenta seja perfeita" e muito menos que, com base nestas previsões, "se pudesse ter evitado a tragédia". Até porque, esclarece, a função dos grupos universitários não passa por "providenciar previsões meteorológicas operacionalmente". Contudo, sublinha, se existisse o tal canal de comunicação entre instituições, os estudos e as previsões disponibilizadas pelos grupos de investigação universitários constituiriam dados adicionais e "uma mais valia que as entidades oficiais podiam usar para comparar com imagens de satélites e com outros dados e modelos de previsão".
No fundo, realça o investigador da UMa, "de nada servirá termos os melhores dados científicos, por exemplo provenientes de radares meteorológicos e de modelos matemáticos, se não os pudermos passar a alguém com capacidade de os conjugar e de os interpretar de forma a tomar as melhores decisões em tempo útil".
Sobre as dúvidas que se colocam em relação à fiabilidade do modelo MM5, Rui Caldeira lembra que essa ferramenta "foi validada com dados de estações meteorológicas da Madeira fornecidos pelo IGA", além de que "vários institutos de meteorologia internacionais utilizam o MM5 como uma das ferramentas numéricas de previsão". Por isso mesmo, acrescenta, o trabalho desenvolvido no âmbito deste projecto "não pode ser visto como um mero exercício académico, tem algum potencial de previsão". Tanto assim é, prossegue, "que o modelo previu montantes de chuva elevados para o período da tragédia".
Rui Caldeira regista que este modelo assume interesse não só no plano da meteorologia propriamente dita, mas também no próprio comportamento do mar. "A interacção do oceano com a costa é tão importante para a Região como a interacção da atmosfera com a orografia", defende o investigador, acentuando que, principalmente no caso específico das ilhas, "não se pode desacoplar o papel que o oceano exerce como mediador de algumas condições atmosféricas e vice-versa".
"Madeira é um laboratório Natural para os estudos geofísicos"
Rui Caldeira considera que a Madeira, devido às suas características muito particulares, reúne "uma grande aptidão para os estudo geofísicos em geral", nomeadamente no que diz respeito à interacção da atmosfera com a orografia e ao estudo dos fenómenos oceanográficos.
O investigador considera mesmo que a ilha constitui um autêntico "laboratório natural" para o estudo destas questões, sendo por isso expectável que nesta altura, "à semelhança do que já se passa nos Açores", existisse "mais e melhor investigação e formação de alto nível nestas áreas".
Do ponto de vista da formação a nível superior, o maior óbice para que tal aconteça, regista Rui Caldeira, é que a exemplo de outras instituições universitárias nacionais, a UMa "está muito condicionada, do ponto de vista de financiamento, pelas políticas do Ministério do Ensino Superior e Tecnologia", que "prejudicam financeiramente os cursos que têm poucos alunos". Que é, precisamente, o grande obstáculo que se coloca para a implementação de um possível curso de Geofísica (Meteorologia e Oceanografia) na universidade madeirense.
É devido a este elevado potencial natural da Madeira que o projecto Esteiras de Ilhas - que é financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia - tem atraído o interesse de outras instituições universitárias. Desde o Instituto de Oceanografia da Universidade de Lisboa, parceiro desde a primeira hora, passando pelo Instituto de Geofísica Infante D. Luís e pelo Centro de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto, entre outros. Há também algumas instituições estrangeiras que são colaboradoras do projecto, o que já levou à aprovação, inclusive, de iniciativas académicas financiadas pela União Europeia.