O último grande predador
por LUÍS GALRÃO 10 Agosto 2008
Lobo-ibérico. É a única espécie da fauna portuguesa protegida por uma lei específica desde 1988, mas nem por isso está a salvo. O último censo realizado em Portugal revela a existência de apenas 300 indivíduos em duas subpopulações, uma delas extremamente ameaçada.
A caça ilegal e a fragmentação do 'habitat' são as grandes ameaças
A lei de protecção do lobo-ibérico faz 20 anos na próxima semana, mas a espécie "continua em regressão" em Portugal. O último censo, feito em 2003 numa parceria entre o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) e o Grupo Lobo, aponta para a existência de apenas 300 lobos. "É uma estimativa, porque podemos ter mais cem ou menos 50", arrisca Francisco Petrucci-Fonseca, do Centro de Biologia Ambiental do Departamento de Biologia Animal da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e presidente do Grupo Lobo.
A subespécie que habita a Península Ibérica designa-se Canis lupus signatus e era numerosa durante o século XIX. Actualmente, estima-se que a população ibérica contabilize 2000 a 2500 animais, distribuídos pelas regiões do Centro- -Norte e Norte da península. Por cá, a perseguição humana e a destruição dos habitats provocaram uma regressão até aos actuais 20% da área ocupada.
Actualmente, "existem duas populações, uma a norte e outra a sul do rio Douro, mas a sul a situação está mal", afirma o investigador. Nas zonas montanhosas entre a serra da Arada e a região de Trancoso não existirão mais de 25 lobos. Segundo o ICNB, "embora esta população aparente estabilidade, parece ter-se verificado um agravamento da situação precária existente junto à fronteira". A norte, está mais estável, "porque se encontra em continuidade com a grande população de lobos espanhola", sobretudo no Gerês e em Montesinho.
A legislação de 1988, que classificou a espécie como protegida e estabeleceu o pagamento de indemnizações, "aumentou o nível de aceitação do lobo por parte da população, tendo permitido o evidente abrandamento da grande redução da população que se verificou até ao final dos anos 80", considera o ICNB. Quando o lobo era uma espécie cinegética, "chegavam a caçar--se entre 25 e 30 lobos por ano, que agora é suposto não morrerem, pelos menos legalmente", explica Francisco Fonseca.
Passou a haver protecção legal, mas também surgiram novas ameaças, queixa-se o investigador. "Há situações que se agravaram bastante porque têm surgido outros problemas, como a fragmentação do habitat, devido à construção de estradas, às pedreiras, algumas ilegais, e aos parques eólicos, cuja construção também perturba os animais, que tendem a afastar-se."
Outro problema grave é a falta de alimento. "Quando se tirou o corço, o javali e o veado, as presas naturais, o lobo começou a atacar os rebanhos, passando a ser o mau da fita. O resultado é a perseguição, em muitos casos através da caça ilegal e da colocação de veneno", conta.
Para estudar e minimizar o conflito com a produção pecuária, um grupo de 18 instituições europeias lançou em 2004 o Projecto Life Coex, que envolve cinco países do Sul da Europa. A área de intervenção portuguesa coincide com as áreas de distribuição do lobo a sul do rio Douro e a área central da na região norte. "Tentamos mostrar o outro lobo, mas não queremos passar de besta-negra a anjinho. Afinal, é um predador que mata para comer e que também causa prejuízos", explica.
Um dos objectivos do projecto é o trabalho com os pastores e os caçadores. Através do Life Coex, que deverá terminar em Setembro, foi possível "comprar cães para dar aos pastores e instalar cercas eléctricas, outra forma de ajudar a diminuir os prejuízos", um trabalho semelhante ao que o próprio ICNB realiza em Montesinho.
Os técnicos do Grupo Lobo já distribuíram mais de cem cães, num trabalho que exige "estar com o pastor e ajudá-lo para mostrar que quem gosta de lobos não está contra ele". É uma aposta que poderia ir mais longe se existissem mais apoios. "O ICNB podia apoiar--nos porque a quanto mais pastores conseguirmos chegar, menos prejuízo têm, mas optámos por não pedir, porque sabemos que têm dificuldades financeiras e tememos que fossem reduzir a verba destinada às indemnizações", diz.
Segundo o ICNB, são pagos anualmente cerca de 700 mil euros de prejuízos, correspondentes a cerca de 2500 ataques atribuídos ao lobo. Quanto aos atrasos nas indemnizações, o ICNB garante que já pagou o segundo semestre de 2006 e prevê liquidar os 300 mil euros relativos ao primeiro semestre de 2007 ainda este ano.
Embora continue a considerar este pagamento como "um dos pilares da conservação da espécie", o instituto espera vir a diminuir o encargo através da revisão da legislação. A proposta de regulamento já foi apresentada à tutela, mas está a ser ultimada uma nova versão que deverá "fomentar uma maior protecção dos efectivos pecuários e uma maior responsabilização dos criadores".
Apesar de o panorama não ser muito animador, o biólogo acredita que a espécie poderá recuperar. "É para isso que estamos a trabalhar, sensibilizando as empresas de parques eólicos e auto-estradas. Temos observado uma mudança muito grande e já há casos em que vêm perguntar-nos como fazer antes de construírem, o que é uma evolução."