Agora do Publico
Faixas de 125 metros sem combustível não travaram incêndio da serra da Estrela
Mariana Oliveira
6 - 8 minutes
Nos últimos três anos foram limpos no Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE) centenas de hectares de faixas, com um mínimo de 125 metros de largura, para compartimentar a floresta e criar zonas privilegiadas para combater os incêndios. Mas a chamada rede primária de faixas de gestão de combustível que pretende reduzir a área dos grandes incêndios, não foi suficiente para suster o fogo que começou há 13 dias na Covilhã e cruzou o parque de um lado ao outro, afectando uma área de mais de 26 mil hectares, segundo o Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais.
No balanço do trabalho de prevenção dos incêndios rurais feito deste 2017 - ano em que arderam 19.300 dos 89 mil hectares do parque, ou seja, quase 22% da sua área – são vários os que admitem que foram tomadas algumas medidas, mas não as suficientes para uma área tão vasta.
O presidente da Queiró - Associação para a Floresta, Caça e Pesca, Nuno Lourenço, acredita que o Estado tem tentado melhorar a estratégia de prevenção dos fogos na serra da Estrela. “Está-se a tentar fazer diferente, mas é um processo muito lento, que ainda não permite ver resultados”, nota o dirigente, que também é vice-presidente dos baldios de Cortes do Meio, na Covilhã, responsável pela gestão de 3000 hectares de terrenos comunitários.
Nuno Lourenço constata que a rede primária não foi eficaz para evitar a progressão deste grande fogo, mas não arrisca justificações. Apenas deixa perguntas. “O problema será a falta de manutenção das faixas? Será que o desenho da rede é correcto?”, lança. Outros como José Maria Saraiva, da Associação Amigos da Serra da Estrela, apontam o falhanço também para as estratégias de combate, que muitas vezes não sabem aproveitar as oportunidades que este tipo de faixas permite. Na mesma linha, o presidente da Urze - Associação Florestal da Encosta da Serra da Estrela, Samuel Rebelo, considera os montantes investidos na rede primária um mau investimento. “É dinheiro jogado fora se depois a estratégia de combate é proteger pessoas e casas e deixar o resto arder”, considera.
O PÚBLICO questionou o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) sobre o rol de medidas de prevenção contra os incêndios tomadas desde 2017 no PNSE, mas este organismo optou por não responder. Os únicos dados existentes foram divulgados em Novembro passado, quando o então ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, se deslocou aos perímetros florestais de Manteigas, Sameiro e Valhelhas (tudo zonas que arderam agora) para mostrar o trabalho que estava a ser desenvolvido, que implica um investimento de 2,5 milhões de euros.
Da rede primária tinham sido criados ou mantidos até final do ano passado 656 hectares de faixas em Manteigas e mais 1132 hectares noutras zonas do interior da região Centro, um terço do que estava previsto ser executado até este ano. Também em Manteigas foram beneficiados, entre 2018 e 2020, perto de 100 quilómetros da rede viária florestal, além de 50 hectares limpos através de acções de fogo controlado e quase 60 hectares de mosaicos junto das faixas de contenção que pretendem criar uma descontinuidade na paisagem.
Mas são intervenções que sabem a pouco para o vice-presidente da Guardiões da Serra da Estrela, Manuel Franco, que sublinha que só uma pequena parte da área do parque é directamente gerida pelo ICNF. Isto porque a maior parte das propriedades ou são baldios (terrenos comunitários) ou privados. “E estas áreas são geridas com uma vocação produtiva, o que não deveria acontecer porque estão integradas numa área protegida. A vocação devia ser de conservação e de valorização dos ecossistemas”, defende Manuel Franco. Tal resulta numa concentração excessiva no pinho, uma resinosa que acelera a combustão. O dirigente dos Guardiões da Serra da Estrela compreende a tentação da rentabilidade, mas insiste: “É preciso explicar às pessoas que o pinho não dá assim tanto dinheiro, porque arde quase sempre primeiro”.
Nuno Lourenço dá conta que apesar dos baldios terem uma importância central no PNSE, apenas um dispõe de um plano de gestão florestal aprovado. “E sem plano não é possível beneficiar de fundos comunitários ou fazer acções de reflorestação”, exemplifica. No Baldio de Cortes do Meio, onde está desde 2019, ainda não há plano aprovado. “O processo é muito burocrático”, lamenta, queixando-se da falta de recursos humanos do ICNF que impede uma avaliação mais rápida.
Por outro lado, o presidente da Queiró nota que muitos dos que assumem a gestão dos baldios não possuem conhecimentos nem apoio técnico especializado, tendo-se afastado do ICNF com quem partilhavam a gestão destes terrenos comunitários. “Têm um conhecimento popular que nem sempre é o mais adequado”, admite. Esse divórcio, acredita, aconteceu porque esses baldios tinham que entregar 40% das receitas ao ICNF, sem que vissem esse dinheiro ser reinvestido na região e porque fruto de décadas de desinvestimento nos serviços florestais a estrutura do ICNF foi desaparecendo do terreno.
O engenheiro florestal Rui Xavier, que trabalha há mais de 20 anos na serra da Estrela, também nota a míngua de recursos no ICNF, que atribui a um desinvestimento de décadas no mundo rural. Mas acima de tudo considera que é preciso políticas coerentes. “Falta uma continuidade da política [florestal], madura e reflectida”, sublinha. Recorda, por exemplo, que após os incêndios de 2003 e 2005 foram criadas as Zonas de Intervenção Florestal, mas depois os apoios comunitários não estavam desenhados para as apoiar.
Manuel Franco realça que desde que o parque natural foi criado em 1976, o somatório da área ardida já supera três vezes a área do parque. Insiste que é preciso apostar na formação de quem gere os espaços rurais e remunerar o serviço público de determinadas actividades, como a pastorícia, que tem um benefício para a comunidade. “Começa-se a falar em créditos de carbono e em apoios europeus aos serviços de ecossistema, mas é preciso agir com mais rapidez”, advoga.
José Maria Saraiva também acredita que é preciso remunerar o serviço comunitário de quem faz, por exemplo, agricultura de subsistência. “Um mundo rural sem gente não é possível gerir”, sublinha. E alerta para a necessidade urgente de uma acção de consolidação dos solos após este grande incêndio que evite a erosão. “Se vierem mais tarde chuvas intensas arriscamo-nos a perder milhares de metros cúbicos de solo. E sem solo não há plantas”.
ublico: