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Quais as semelhanças relativas ao contexto tectónico de Portugal? Ponto triplo nos Açores?
https://www.publico.pt/2023/02/06/ciencia/noticia/sismo-turquia-geologia-naquela-zona-semelhancas-ha-portugal-2037748
" Sismo na Turquia: como é a geologia naquela zona e que semelhanças há com Portugal?
O sismo da Turquia deu-se numa fronteira de placas tectónicas difusas. Há também falhas importantes. E se há diferenças, também há várias semelhanças com o contexto geológico português.
Teresa Firmino
6 de Fevereiro de 2023, 10:51
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Sismo na Turquia a 6 de Fevereiro de 2023 SERTAC KAYAR/Reuters
Na madrugada desta segunda-feira, a Turquia foi atingida por um sismo violento – de 7,8 graus de magnitude – e que foi sentido também na Síria, Líbano, Chipre e Israel. Há já várias centenas de mortos e feridos. O epicentro do sismo nas proximidades das cidades turcas de Nurdağı e de Gaziantep, perto da fronteira com a Síria.
Como é a geologia do sismo na Turquia?
O
sismo na Turquia, na madrugada desta segunda-feira, ocorreu numa zona de fronteira de placas tectónicas entre a Arábia e a Anatólia. “Esta zona faz parte da grande colisão entre a África, Arábia e a Índia com a Eurásia”, começa por explicar o geólogo João Duarte, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Nesta região, “a colisão é complexa e tem várias microplacas pelo meio, como a da Anatólia”.
Os Serviços Geológicos dos Estados Unidos especificam, por sua vez, que a localização preliminar do sismo é na vizinhança de uma tripla junção de placas – entre as placas da Anatólia, Arábia e África.
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Em relação às falhas geológicas na região, o geólogo português diz que o sismo ocorreu na confluência de duas falhas continentais muito importantes: a Falha do Mar Morto (com direcção Norte-Sul) e a Falha da Anatólia Oriental, ou Falha do Leste da Anatólia (com direcção Nordeste-Sudoeste). “É uma zona de fronteira de placas tectónicas complexa, o que a torna muito imprevisível e perigosa”, realça.
Segundo os Serviços Geológicos dos Estados Unidos, 11 minutos depois do sismo, que ocorreu às 4h17 locais, (quando era 1h17 em Portugal continental), registou-se uma réplica de 6,7 graus de magnitude. Seguram-se já centenas de réplicas, muitas acima de quatro e cinco graus. Já esta manhã registou-se outro sismo à volta de 7,5, temendo-se que destrua mais construções e acaba por deitar abaixo o que já estava em ruínas.
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Ter sido de noite é pior?
Sim, porque muitas pessoas encontravam-se em casa a dormir. O que mata as pessoas é sobretudo a queda dos prédios. O facto de se registarem baixas temperaturas também não ajuda, porque o resgate tem de ser rápido, para que os sobreviventes não entrem em hipotermia.
Como foi a ruptura na crosta terrestre?
Embora os sismos sejam frequentemente representados como um simples ponto no mapa, eles têm várias dimensões, como explicam os Serviços Geológicos dos Estados Unidos. Um sismo resulta de uma ruptura na crosta terrestre. Num sismo como este de
magnitude 7,8 graus, explicam ainda os Serviços Geológicos dos Estados Unidos, “tipicamente rompe-se uma falha de cerca de 190 quilómetros de comprimento e a cerca de 25 quilómetros de profundidade” na crosta terrestre.
O contexto geológico do sismo tem alguma semelhança com Portugal?
Sim, há algumas semelhanças, diz João Duarte. “É um contexto em diversos aspectos semelhante ao da margem portuguesa, a zona ao largo da costa Sul portuguesa. Este sismo teve uma magnitude comparável ao de 1969, que só não teve efeitos maiores por o epicentro de ter localizado ao largo da costa”, assinala.
O sismo de 1969, com uma magnitude entre 7,3 e 7,9 graus, teve o epicentro a cerca de 300 quilómetros da costa portuguesa, ao largo do cabo de São Vicente. Causou danos materiais, embora não muito relevantes, e originou 13 vítimas mortais em Portugal Continental, sobretudo na zona litoral do Algarve. Além de alarme e pânico na população, provocou cortes nas telecomunicações e no fornecimento de energia eléctrica.
Tanto na Turquia como em Portugal continental estamos perante fronteiras de placas difusas – no sentido de haver um “enxame” de muitas falhas – com movimento lateral das placas. O facto de haver nestas zonas placas difusas torna estas zonas muito imprevisíveis em termos de sismos.
Temos, então, na margem portuguesa uma fronteira de placas difusa: “Em vez de haver uma falha tectónica principal, existem dezenas de falhas que podem interagir entre si de uma forma imprevisível, sendo capazes de gerar sismos de elevada magnitude. A sul de Portugal, existe uma fronteira de placas deste tipo, que se estende desde os Açores até ao Arco de Gibraltar e depois vai ligar com este grande sistema que separa a placa África da placa euroasiática”, explica o geólogo.
“É a interacção ao longo desta fronteira de placas que gera as cadeias de montanhas que conhecemos na Europa, como os Alpes, os vulcões em Itália e, em Portugal, a serra da Arrábida”, acrescenta João Duarte. “Ao largo da costa portuguesa, a 300 quilómetros a Sudoeste do Cabo de São Vicente, existe uma cadeia de montanhas submarina, o
Banco de Gorringe, que é a expressão deste sistema de falhas.”
O Banco de Gorringe é uma montanha com mais de cinco quilómetros. João Duarte assinala que é mais alta que os Alpes: “É desta zona que veio o Grande Sismo de Lisboa de 1755, e o sismo de 1969”, considera o geólogo. O terramoto de 1755, recorde-se, atingiu 8,8 graus de magnitude, arrasando Lisboa, sobretudo devido ao grande
tsunami que gerou.
E quais as diferenças do sismo da Turquia com Portugal?
“No nosso caso, a fronteira de placas passa no fundo do mar, ao largo da costa, e na Turquia atravessa o interior do continente. Na Turquia, as falhas passam mesmo por baixo das cidades, o que explica a destruição”, responde o geólogo. “Pode salientar-se que em Portugal também existem falhas muito importantes
no interior do Continente, como a Falha do Vale Inferior do Tejo. Em ambos os casos, são fronteiras de placas nas quais as placas se movem lateralmente, mas com uma componente de colisão importante.”
Foi, aliás, na zona da Falha do Vale Inferior do Tejo que se localizou o epicentro do
sismo de Benavente em 1909, com uma magnitude à volta de seis graus, havendo a destruição completa das zonas habitadas
em Benavente e Salvaterra de Magos. Ou, ainda, o sismo de 1531, que atingiu sete graus de magnitude – e destruiu Lisboa.
O sismo da Turquia torna assim bem viva a ideia de que em Portugal vivemos, igualmente, numa
zona de risco sísmico e que estes terramotos podem, apesar de diferenças como a construção das casas, voltar a bater-nos à porta. "