Concordo muito com esta parte, esta necessidade constante de meter culpas em cima de alguém ou alguma coisa pelo que acontece só serve para passar um pano quente pela situação e fazer esquecer que é necessário tomar medidas a sério para resolver o problema. É assim nesta temática como em imensas outras, Portugal é cada vez mais um país onde os problemas não se resolvem, empurram-se com a barriga.
Mas olha que uma das coisas que mais me tem enervado nos últimos dias é que de facto tem sido feitas coisas.
Foi preciso morrer mais de uma centena de pessoas em 2017 para se começar a fazer.
Mas dizer que não se faz nada é quase insultuoso. E eu não vejo ninguém a comentar isso.
Esta semana morreram bombeiros, morreram cidadãos, arderam casas. Falhámos. Ponto. Isso que é a prioridade não pode acontecer.
Mas também não se pode também dizer que está tudo igual, que nada se faz.
Ainda longe do ideal, mas para mim que conheço esta realidade há décadas, muita coisa importante tem sido finalmente feita.
Assim só de cabeça:
1) Limpeza de terrenos
Limpeza de terrenos, pelo menos próximo das habitações. Faz-se hoje numa escala que era impensável até 2017. Completamente impensável. São milhões de horas homem/maquinas de limpeza que tem sido feitas.
Algumas pessoas vão dizer-me que o vizinho x e y não limpam, sim, verdade, existe isso.
Mas não podemos olhar apenas para o mau, temos que olhar para o resto também.
Porque se dizemos que está tudo igual, então não vale a pena ter trabalho.
E as pessoas tem que se mexer, tem hoje leis e autoridades sensibilizadas para denunciarem situações, pelo menos as mais graves.
2) Faixas laterais das estradas limpas
A realidade hoje também é completamente diferente do que era antes.
Também me vão dizer que a estrada X e Y não tá nada limpo. Eu sei, mas muitas mais são limpas. Vamos olhar apenas para o mau e não valorizamos o bom?
Já agora, há autarquias e freguesias que se empenham muito melhor que outras.
Então não se indignem hoje, sejam cidadãos ativos no dia a dia, as vitimas não se previnem quando as condições são extremas e quando está tudo a arder, previnem-se no resto do ano.
3) Mapeamento/cadastro de propriedades
CGPR, BUPi, etc.
Quando finalizado é uma mudança radical, é um salto quântico, não sei se as pessoas tem noção. Se for preciso depois explico detalhadamente porquê.
Desde os tempos do Estado Novo que se queria fazer e nunca se fez. Está agora a ser feito e está a correr bem, na minha opinião.
Também me vão dizer que ainda falta mais de metade ou assim, calma, quase metade feita em poucos anos depois de décadas sem fazer nada é muito bom para mim.
Mas esse trabalho massivo que envolve dezenas de milhares de proprietários é invisível para parte da sociedade, essa que comenta indignada nas redes sociais. Não é justo.
Exemplo, fui ver agora no BUPi zonas afetadas por incêndios nesta semana lá para os lados de Sever do Vouga.
Os polígonos são centenas ou milhares de proprietários que já identificaram propriedades nos últimos anos.
Ainda falta muito? Sim, falta, mas por favor não digam que não está uma enorme mudança em curso, isso é um insulto a quem já gastou centenas de horas e dinheiro em participar nessa mudança. As pessoas estão a participar, sem que ninguém lhes tenha apontado uma arma à cabeça.
E o pior de tudo são os discursos populistas.
Isto dos incêndios sempre teve muito populismo primário associado, já quando eu era criança, populismos de várias géneses, até politicas. Sempre houve o populismo justiceiro, "é prende-los às arvores e queimá-los", agora parte disso juntou-se num certo partido de extrema-direita e outros de extrema-chalupa que nem dá para perceber o que é aquilo.
Este ano a novidade até vem daí, que se junta a muitos outros populismos, sempre houve por exemplo um certo tipo de populismo tankie de extrema extrema-esquerda anti-capitalista. E esta semana reapareceram em força com a conversa da floresta 90 e tal % dos privados, são os culpados.
Esses 90 e tal % de privados não são as famílias Mellos nem os Amorim, são pessoas como eu e provavelmente os pais e avôs desses tankies, parte deles nem sabem aonde são as propriedades que herdaram. E isso também é parte do problema, mas não por serem "privados".
Agora esta semana vi o primeiro ministro e uns quantas autarcas também a entrarem nessa onda populista.
Estou à vontade para criticar porque é a minha área politica. Mas eu compreendo, como alguém disse aqui, entrincheirados entre extremos, na hora de aperto diz-se o que as pessoas querem ouvir. E em toda a avalanche de ruido populista é difícil ou impossível passar outro tipo de mensagem.
Até me surpreendo algumas pessoas com bastante knowhow ainda se darem ao trabalho de se exporem publicamente a dizer coisas que vão contra essas avalanches populistas.
4)
Gestão combustível
Ainda para há uns dois meses recebi no correio uma carta a avisar proprietários duma nova faixa de gestão de combustíveis e contenção de incêndios numa determinada região. Não estou por dentro dos progressos mas fiquei com a sensação que são coisas que estão a andar, eventualmente de forma lenta, não sei.
São coisas que atravessam muitas burocracias e barreiras, às vezes até oposição por parte daqueles que depois mais se indignam.
Salvo erro no Inverno anterior, vi fumo de fogos (talvez em Fevereiro 2023?) que depois me explicaram que era gestão de combustível. Isso é parte do nosso caminho, curiosamente apareceu logo muita gente nas redes sociais indignada com o fumo e em completa histeria por haver fogos nessa altura do ano. Que Deus lhes perdoai a ignorância.
5) Índices de risco de incêndios
Índices de risco de incêndios. O IPMA investiu muito nisso e vejo hoje pessoas comuns a olhar para os índices dia a dia, vejo até por familiares que continuam ligados ao campo ou floresta, a consultarem as condições. Uma coisa completamente impensável até anos atrás.
Na ressaca de 2017 houve algum fundamentalismo que a certa altura quase paralisou a agricultura durante semanas ou meses, mas depois foram introduzidas algumas alterações que acho equilibradas. Há uns pormenores com que não concordo, e até hei de falar disso, mas o perfeito sempre foi inimigo do bom.
Mas claro, há logo quem pegue nisso quando um azar acontece. As pessoas tem que compreender que tem que haver algum equilíbrio nas coisas, não se pode impor regras absolutistas que levem ao sufoco de setores importantes. Em tudo na vida há algum risco, o que se deve combater é a incúria, o crime, e não querer logo enforcar alguém que cometeu um erro enquanto trabalhava para se sustentar. Volto a esse assunto mais abaixo.
Mas neste assunto falo de pessoas da agricultura e floresta que consultam hoje os índices, uma coisa de forma mais generalizada que era impensável até poucos anos atrás.
Muitos portugueses se calhar continuam sem o fazer, é preciso apostar na educação e divulgação do risco de incêndios.
Em 2003 milhões de portugueses puseram bandeiras nacionais nas janelas ... por causa de um campeonato de futebol.
Os portugueses tem que colocar bandeiras vermelhas na cabeça quando existem condições extremas de risco de incêndio, não é aceitável as ignições que ocorrem.
E eu sei que há incendiários, claro que há. Em Portugal consomem-se 60 mil embalagens de antidepressivos, ansiolíticos, etc, por dia, somos um país deprimido, triste, frustrado, desanimado, revoltado, desesperançoso do futuro. E isso são as pessoas que tratam da sua saúde mental, imaginem o restante que anda por ai sem cuidar de si.
Mas sabem qual é a minha teoria relacionada com muitas dessas ignições por exemplo de madrugada ?
Estão a ver aquela imagem desta semana, vídeo para mim icônico, do tipo ao lado dos bombeiros a fumar e a atirar a beata para o mato ?
Boa parte dessas ignições de madrugada, na minha opinião, são gajos bêbados que saem do bar ou tasca depois da meia noite, param à beira da estrada e com uma mão na lata de cerveja ou no tinto e a outra mão na pila, dão uma mija ali na arvore junto ao mato. Depois enquanto ajustam a braguilha lá vai a beata pelo ar. De manhã estão tão ressacados que já nem se lembram, eventualmente à tarde até escrevem algo numa rede social revoltados com os incêndios e de quanto mau é o governo ou um autarca.
Já referiram aqui as incontáveis viagens de carro em que do carro da frente sai repentinamente um cigarro atirado janela fora e fica ali a saltitar incandescente na estrada ou berma.
Todos os santos dias se calhar são dezenas milhares cigarros atirados fora dessa forma. Depois há um, apenas um cigarro, entre milhares em que isso acontece, no pior local e hora possível.
Para além dos malucos e ainda dos pirómanos, certamente também há incendiários por interesses, mas julgo que numa escala muito menor.
Quando era novo as maiores teorias eram os madeireiros mas na verdade hoje em dia quase ninguém ganha com madeira queimada. Uma das coisas que mais me preocupa para cataclismos futuros é que conheço terrenos ardidos em 2017 em que as arvores queimadas ainda lá estão abandonadas. Não são muitos, mas é uma coisa preocupante.
Os incêndios atuais são tão devastadores com áreas tão grandes que na sequencia dum incêndio a madeira perde imenso valor em toda a escala de negócios, desde o proprietário aos diversos negócios que vivem da madeira. E depois na década seguinte há escassez de madeira. O "vil" lucro está numa floresta que não arde.
Lembro-me que quando era puto entre as muitas teorias havia sempre gente a dizer que andava uma avioneta a lançar fogos. Curiosamente hoje em dia em que qualquer pessoa pode filmar uma coisa dessas, nunca mais apareceram esses relatos.
7) Dispositivos de combate
Não sou de todo entendido na matéria, nem por curiosidade. Mas parece-me que hoje as coisas funcionam melhor. Mesmo em momentos difíceis que houve esta semana, acho que não houve colapsos como houve no passado, comunicações por exemplo.
Mas as pessoas tem que se mentalizar que em episódios extremos é impossível haver bombeiros e ajuda em todo o lado, o território sobretudo do norte e centro de Portugal é incrivelmente disperso de aldeamentos e casas envolvidas por áreas florestais. E a interface urbana-florestal em muitos casos desapareceu dando lugar a floresta ou terrenos abandonados com silvas. Esta parte é uma coisa importante, que posso abordar depois.
Em momentos críticos haverá sempre pessoas que ficarão por sua conta, dai a importância das limpezas junto a habitações, da autoproteção, da educação e cultura para os riscos. Eu e a minha família sabe que um dia voltará a acontecer e no pior cenário não podemos contar com ajuda. Então nós preparamo-nos para esse pior cenário.
E o discurso populista que acha que é apenas um problema seja de eucaliptos, de incendiários, de privados, em parte não resolve absolutamente nada nessa vertente da autoproteção.
Porque por muito melhor as coisas se tornem e possam melhorar na ideia de alguns, os incêndios vão sempre acontecer como aconteceram durante milhares de anos, e vão sempre aparecer de vez em quando na forma de episódios extremos em que é impossível socorrer a todos.
Mas concordando com muita coisa neste post, ainda assim acho que falha em duas coisas na comparação entre o "antigamente" e os últimos 15 anos de incêndios:
- O que era admissível há 40 ou 50 anos deixou (e bem) de o ser;
- Apesar das muito extensas áreas ardidas em alguns anos nos 70s, 80s e 90s, não creio que estas fossem tão concentradas em períodos muito particulares de tempo como neste ano ou em 2017, com muito claros prejuízos em termos de vidas humanas e danos materiais daí advindos. Embora esteja aberto a correção neste aspecto, porque nessas décadas ou não era vivo ou não tinha ainda acordado para o problema.
Não é uma questão de ser admissível ou não. Mas tens razão, temos que pensar de forma diferente porque a sociedade mudou radicalmente no uso e ocupação dos solos.
Mudou primeiro numa vaga nos anos 60/70, depois noutra vaga nos anos 80/90 com a adesão à CEE. Os fogos esses, sempre andaram por aqui. A própria natureza também muda.
Mas deixo o resto da resposta para amanhã.